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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O garoto de R$ 60 milhões de Itarana: Luis Henrique, berço e DNA goleador


Nascido na terra que já foi reduto de pedras preciosas, atacante do Botafogo supera obstáculos e surge com status de grande promessa. Pai já foi vice-artilheiro no ES




Luis Henrique foi crescendo e ganhando o Brasil.
Já o cabelo foi diminuindo (Foto: Globoesporte.com)
A pequena cidade de Itarana, na Região Central do Espírito Santo, tem vocação para um assunto peculiar: pedras preciosas. Antes mesmo de se tornar um município independente, em 1941, o lugarejo foi palco de uma corrida pelos raros minerais na jazida da Pedra da Onça. A ação de extração foi rápida, gerou fortuna para algumas famílias e quase não deixou registro histórico. Um dos poucos e mais famosos relatos é que parte destas pedras está na coleção de joias da Rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Agora, 70 anos depois, a cidade vê outra joia - estaavaliada em R$ 60 milhões - igualmente nascida de suas entranhas também ganhar o mundo: Luis Henrique, de apenas 17 anos. O atacante do Botafogo, porém, surge longe do anonimato das décadas passadas e reluz sob os holofotes direcionados para todos os seus passos dentro do campo com a camisa alvinegra.

Além da "procedência" regional, a joia alvinegra ainda tem no sangue um DNA que é sinônimo de bola na rede. Curiosamente, em 2001, quando Luis Henrique tinha apenas três anos, quem se destacava pelos gols marcados era... seu pai. Atuando pelo Linhares-ES, Elvimar alcançava o seu auge com a vice-artilharia do Capixabão. Sem saber, o pai fazia da sua carreira o laboratório para o filho, que o acompanhava até nas concentrações.

- Desde pequeno eu ensinei ele, inclusive a bater com as duas pernas. Eu joguei durante cinco anos. Parei em 2003. O futebol é muito rápido, tem que ter os pés no chão. E isso ele aprendeu comigo. Ele ia comigo para as concentrações e já passou um tempo nos clubes comigo, nos hotéis onde morava. Eu mesmo (vivi essas oscilações do futebol). Estava bem, no auge, tive uma lesão no joelho e logo depois tive que encerrar a carreira. Então, ele acompanhou isso, esses altos e baixos. - disse Elvimar, pai do jogador.

O fim da carreira de Elvimar chegou na mesma época que Luis Henrique descobria a paixão pelo futebol. Com sete anos e incentivado por uma família boleira, o garoto de chamativo cabelo loiro longo - que gostava de enrolar com a ponta dos dedos - chegava às mãos do técnico Palmito, responsável pelo time amador da cidade para garotos de até 12 anos. Nascia ali, no Campo do Flamengo - que ironia -, o jovem carinhosamente chamado de Ike, a pedra bruta que se tornaria mais tarde uma joia de R$ 60 milhões de Itarana.


- Quando eu peguei, ele tinha nove anos. A gente via que ele era um garoto diferenciado, forte. Mas ele sempre teve muita vontade, dedicação. Com ele, nosso time foi campeão de tudo, com ele sendo artilheiro sempre. Eu digo sempre sobre dedicação porque aqui tem muito garoto bom, mas preguiçoso. O Luis Henrique é diferente: focado, reservado e determinado. É um grande orgulho para gente. Ver ele assim despontando. Mas o mérito é todo dele, eu era pago para treiná-los. A mãe dele também foi fundamental na carreira dele, uns 90%. Ela batalhou muito pela carreira dele – disse Palmito, que há dez anos trabalha com jovens jogadores na cidade.

Luis Henrique ficou cerca de quatro anos no time amador de Itarana, onde acumulou títulos e troféus de artilheiro – o pai guarda todos com orgulho. Seu técnico resume a época como “ganhadora de tudo”. Entretanto, o fim do casamento dos pais mudaria para sempre a rotina e a vida do jovem promissor de 11 anos. Junto com os outros dois irmãos da relação, João Vitor e Cinara, Ike se mudou com a mãe Tanara para o Rio de Janeiro. O ano era 2009 e o destino não seria fácil para o menino loiro nos dois primeiros clubes.


O INÍCIO: DECEPÇÕES NO FLA E BAHIA

Comissária de bordo, a mãe enxergou no Rio de Janeiro a oportunidade para fazer Luis Henrique deslanchar naquilo que o filho adorava fazer. Até hoje é ela que cuida da carreira do atacante. O primeiro clube na cidade maravilhosa foi o CFZ (Centro de Futebol Zico) junto com o irmão João Vitor – que depois abandonou para seguir carreira acadêmica. O início foi na escolinha, mas logo o talento do menino loiro tímido chamou a atenção dos coordenadores da base. Em 2010, a primeira grande chance. O CFZ cedeu alguns jogadores para o Flamengo quando Zico fazia parte da diretoria rubro-negra. Luis Henrique era um deles.

Foram pouco mais de dois anos no Flamengo. Entretanto, a dificuldade na adaptação à cidade grande e também a polêmica saída de Zico do clube - o principal motivo justamente por conta de uma parceria com o CFZ - aceleraram a dispensa do jovem.

Tanara é mãe e empresária do filho Luis Henrique (Foto: Gustavo Rotstein)

- Depois que ele foi dispensado do Flamengo, ele voltou aqui para Itarana junto com o outro irmão. Claro que ele ficou abalado, normal. Mas nunca ouvi dele a intenção de desistir do futebol. Depois, eu mesmo consegui um teste para ele no Bahia - contou o pai.

Na capital baiana, Luis Henrique viveria o momento mais dramático da curta carreira. Era a última semana do ano de 2012 e o jovem atacante embarcara sozinho em busca do sonho... que na verdade se configurou um pesadelo. O jogador ficou apenas uma semana e foi dispensado repentinamente no dia 31 de dezembro. Ao garoto fora informado que o clube não o abrigaria e nem custearia suas refeições. Com 13 anos, Luis Henrique, longe dos pais, vivia um apuro que a família hoje considera um erro e se arrepende.

- Foi um susto muito grande. Tive que pagar passagem às pressas. Pegou a gente de surpresa, mas foi parte do aprendizado. Percebi também que ele já absorveu melhor essa segunda dispensa. E a mãe dele seguiu procurando, fez um DVD – contou Elvimar.


NO BOTAFOGO, UM METEORO

Luis Henrique comemora ao lado de Pimpão um
dos dois gols na estreia (Foto: Vitor Silva/SSPress)
Os vídeos compilados por Tanara abriram as portas do Botafogo para Luis Henrique, então com 15 anos. Escaldado pelos dois obstáculos recentes e adaptado ao Rio de Janeiro, o jovem deixou o início titubeante para trás para se tornar uma máquina de fazer gols.

Logo no primeiro campeonato que disputou foi vice-artilheiro: 16 gols no estadual da categoria. No entanto, foi na Copa do Brasil Sub-17, competição que o Botafogo foi vice-campeão, que Luis Henrique despontou para o cenário brasileiro. Com 14 gols, o atacante foi o responsável por 60% das vezes em que o alvinegro balançou a rede na competição. E mais: deixou de marcar em apenas um jogo e fez dois hat-tricks. Tudo isso em só 10 partidas

Os números e atuações chamaram a atenção do então técnico dos profissionais, René Simões. A recente saída do centroavante Bill abriu ainda mais espaço para Luis Henrique, que venceu a concorrência de Vinícius Tanque – artilheiro do Sub-20 – e ganhou uma vaga no time titular. A história? Estreia com dois gols e quatro até aqui como profissional. Surpresa? Só para quem não conhecia o Ike, aquele menino da cidade de pouco mais de 10 mil habitantes.

- Quem conhece o Luis Henrique sabe que ele tem potencial para isso tudo que está acontecendo. Só que foi muito de repente. Ele pegou uma oportunidade boa, que foi a Copa do Brasil Sub-15, e aproveitou bem. Ainda mais que o Brasil está carente deste tipo de jogador. Surgiu na hora certa. Talento ele tem. A gente não esperava isso tudo assim, de cara. Surpresa de um lado, mas quem conhece sabe que ele tem potencial, que vai vingar.

Pai de Luis Henrique exibe com orgulho as camisas que o filho já vestiu. Ao lado, a madrasta, a avó e a irmã Cinara (Foto: Chandy Teixeira)


EM ITARANA, "APENAS" FILHO DO ELVIMAR

Pedra da Onça: local foi palco de corrida por pedras
 preciosas no século passado (Foto: Chandy Teixeira)
Apesar da corrida pelas pedras preciosas no meio do século passado, Itarana é uma cidade considerada pobre. Assim como toda a região central do Espírito Santos, o município tem como potencialidade o cultivo de café Conilon (produzido em temperaturas mais altas). Tudo isso aumenta ainda mais o vulto que Luis Henrique é para Itarana. Uma joia que vale R$ 60 milhões.

Para se ter uma ideia do que representa este "caminhão" de dinheiro para o município que ainda guarda muito da cultura rural, o Estádio Municipal é uma boa referência. Popularmente conhecido como Campo do Flamengo, local onde Luis Henrique deu os primeiros chutes, foi abandonado por administrações anteriores. O atual governo tentou captar recursos com o estado para obras, mas não obteve sucesso. A saída foi fazer um grande esforço, nas palavras do prefeito, e custear a obra de reerguimento com o cofre municipal. O aporte? R$ 800 mil. Um sacrifício de uma cidade que representa apenas 1,3% da multa rescisória do filho ilustre.

- É um orgulho para a nossa cidade. Espero que apareçam mais filhos ilustres por aí. Em setembro, inclusive, teremos uma feira agropecuária e nós o homenagearemos. Essa festa homenageia também todo ano um itaranense ausente, e agora será ele. Todos aqui estamos muito felizes e torcendo para ele ganhar o mundo - afirmou o prefeito de Itarana, Ademar Schneider.

Meninos treinam no mesmo campo que Luis Henrique começou. Joia já é o grande ídolo da meninada de Itarana (Foto: Chandy Teixeira)
As coisas aconteceram tão rapidamente com Luis Henrique que o intervalo das duas últimas visitas à cidade capixaba explicam bem a mudança de vida repentina. A penúltima vez que pisou em Itarana, o jovem era apenas um jogador cultuado da base alvinegra. A última - no fim do mês de julho - Ike já tinha cifras milionária no seu valor de mercado e com contornos de superstar. Superstar? Só para o restante do país. Na terra natal, ele ainda continua sendo o filho do Seu Elvimar.

- Muita gente veio pedir autógrafo. Ele estava aqui na frente de casa conversando com os amigos, sempre com uma bola. Aqui ele fica mais solto, é só o filho do Elvimar. Foi bom ele ficar aqui, ele estava há quatro partidas sem fazer gol. Depois, voltou e fez - disse o pai se referindo ao jogo contra o Bahia.

Entretanto, é inegável que Luis Henrique seja o assunto de todas as ruas de Itarana. Além do talento com a bola nos pés, outra característica do garoto valioso a cidade atesta: o estilo reservado. Não é difícil encontrar alguém que faça questão de dizer que ele tem uma personalidade fora do padrão "boleiro".

- É um cara excelente. Menino muito tranquilo. Ele é sério, reservado. Nem muito extrovertido, nem muito introvertido. Vejo ele muito centrado. A família toda é assim - disse Zé Maria, assessor parlamentar e figurinha fácil na cidade.

Por Chandy Teixeira Itarana, ES/GE

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