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O novo presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira, diz que agora 'virou vidraça' - Marcos Tristao / Agência O Globo |
Novo presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira surpreendeu o clube ao
derrotar o grupo de Montenegro na última terça-feira. Empossado, é hora de abrir diálogo com a oposição e rever métodos de Maurício Assumpção, seu antecessor. Festejado por muitos, Seedorf é visto como símbolo de riscos desnecessários.
O senhor foi eleito por 442 votos. É uma meta que o colégio eleitoral seja maior?Eu espero sinceramente que sim. Nós queremos mudar a tabela de contribuições para permitir que as pessoas possam se integrar ao clube já através do sócio-contribuinte, uma vez que o sócio-torcedor é proibido pelo clube de votar, o que demanda uma mudança estatutária.
Em 2008, o senhor apoiou a candidatura de Maurício Assumpção. Logo depois, afastou-se dele. Se arrepende de tê-lo apoiado?As ideias que trouxeram o Maurício para o clube no final de 2008 eram boas e positivas. Depois que o barco começou a sinalizar que o rumo era outro, ficou complicado mantermos o apoio a ele. Tanto é que a coisa seguiu piorando e, em 2011, montamos uma candidatura de oposição, já prevendo as dificuldades que teríamos.
O senhor venceu o grupo apoiado por Montenegro, que dominou as eleições no clube nos últimos 20 anos. Com o fim da eleição, ele vai participar da gestão?Ele gosta muito de participar de eleição (risos). O Carlos Augusto (Montenegro) é um grande benemérito. No retorno para General Severiano, teve uma participação fundamental, é uma pessoa de grande prestígio. Vencida a eleição, você está ligado às ideias do seu grupo político, mas tem que agir de forma institucional. O Botafogo não pode romper com as pessoas por que democraticamente elas se agruparam de determinada maneira na eleição.
Já conversou com ele?Liguei no dia seguinte. Mandei um abraço. Fui vice-geral dele, de quem tenho amizade pessoal. Politicamente, estivemos de lados opostos, mas nada que impeça o diálogo. Ele não vai saber fazer oposição porque não é muito o jeito dele. Posso até dar umas dicas de como fazer oposição (risos), mas acho que não vai ser o tom. Se for, vai ser uma oposição construtiva e nós vamos estar prontos para ouvir.
Carlos Alberto Torres será o “ministro do futebol". O que isso significa?O Carlos Alberto vai nos ajudar em vários projetos em 2015. Ele tem muita credibilidade e conhecimento no futebol. Vai nos ajudar na captação de novos negócios. Queremos renovar com a Guaraviton, mas estamos pensando em alternativas caso não seja interesse deles e também estamos vendo alternativas para o fornecedor de material esportivo. De alguma maneira, O Carlos Alberto vai nos ajudar em todo esse processo.
O Torres tem um perfil combativo, assim com o Mantuano, seu grupo político...
E eu também tenho esse perfil combativo.
Como tantas pessoas com este perfil vão trabalhar juntas no futebol?Exatamente por que a gente tem consciência dessa combatividade é que eu estou procurando rodar abaixo do limite. Para termos sempre uma margem de segurança. O Carlos Augusto (Montenegro) fez uma colocação que, a partir de agora, eu deixo de ser pedra e viro vidraça. É óbvio que essa é a realidade. Temos que ter cautela nas atitudes, equilíbrio. Aquele meu gesto com os quatro atletas afastados (quando pediu a reintegração) teve uma simbologia. Eu sabia que era uma possibilidade muito remota, mas indicava aos atletas que saíram que o Botafogo não é um clube hostil. Foi uma atitude exclusiva da pessoa que ocupava a presidência. E também para dissociar nossa gestão da passada. Além de mostrar que esta é uma gestão de diálogo. Eu não gosto dessas medidas intempestivas. O Botafogo já esgotou sua cota de estresse em 2014 e avançou na de 2015. Evitar problemas maiores: esse vai ser nosso principal desafio e objetivo.
A contratação de Seedorf foi um erro?A contratação dele foi capenga porque trouxe um grande ídolo, mas não trouxe patrocínios, nenhuma sustentação financeira. Foi um encargo elevado e praticamente todo do clube. Foi positivo para a imagem do clube? Muito. Traduziu-se em conquistas? Tenho muitas dúvidas. Você assumir um risco tão elevado num clube já debilitado é discutível. Viveu-se um momento de deslumbramento e esse dinheiro hoje está fazendo muita falta.
Não é algo semelhante com a situação do Jefferson, que tem um alto salário?Não. O Jefferson é um atleta que está no clube. Tem contrato em vigor com o clube e vem crescendo na atuação dentro do Botafogo. Ele já é um ídolo, é muito mais jovem, tem perspectiva de carreira, é titular da seleção brasileira. Eu vejo o Jefferson em uma situação totalmente diferente.
Um dos membros da sua chapa, Bernardo Santoro, escreveu um texto que fez sucesso na internet em que colocava em xeque a existência do Botafogo. O clube está com sua vida em risco?O Bernardo é um dos grandes colaboradores que temos. É uma pessoa com muita experiência na política e fez esse trabalho contando com dados que chegavam. A gente quer esmiuçar mais a situação. É claro que a dívida gigantesca é um complicador. Na parte fiscal e trabalhista, se você não conseguiu chegar num equacionamento, nenhuma empresa sobrevive com 100% de suas receitas bloqueadas. O que acontece com a Justiça do Trabalho é que um juiz manda bloquear 30%, outro juiz mais 30%. Aparece outro juiz e bloqueia mais 30%. No final, você está com 90% bloqueado. Nosso jurídico está estudando uma forma de proteção. Vão bloquear 30% da receitas? Legal! O resto precisa rodar para o clube funcionar. A gente chegou em um ponto em que, com receitas bloqueadas, como você vai montar um plantel, assinar com um executivo, um treinador e um atleta? Vai esperar que o sindicato desbloqueie parte do seu dinheiro, como agora?
Como interromper isso?Vamos pedir uma carência para investidores e empresas financeiras. Não chega a ser uma moratória, mas é uma ampla renegociação porque, em 2015, o dinheiro que deve estar disponível é muito pouco, talvez metade do orçamento (anual). Para disputar um Carioca, Copa do Brasil e Brasileiro, a expectativa é que o Engenhão venha criar novas receitas e nos dê um outro fôlego. Tem muita coisa aparecendo, muita coisa nebulosa, compromissos passados para terceiros. A gente leva sustos a cada momento.
O prefeito Eduardo Paes já sinalizou com a volta do Engenhão para o Carioca?Essa é a expectativa. A partir daí, vamos operar o programa de sócio-torcedor. Talvez nosso estádio não esteja a plena capacidade, mas a gente precisa de um campo para jogar o Carioca. Hoje, as opções são muito limitadas.
Já esclareceram a dívida de cerca de R$ 24 milhões com a Odebrecht, administradora do Maracanã?Ainda não. O jurídico está levantando isso e algumas coisas não estamos nem encontrando os contratos.
Durante a campanha, o senhor falou sobre a possibilidade de discutir no clube a presença de um grande investidor. Seria um dono do Botafogo?Não. O Botafogo sempre pertencerá a seus sócios. Seria uma alternativa a ter o debate aprofundado caso todas as outras alternativas mais convencionais não venham a surtir efeito, mas sempre preservando que o Botafogo seja conduzido por seus sócios. O que a gente espera facilitar é adotar políticas de transparência e credibilidade. A hora em que você tiver uma contabilidade estruturada, auditoria externa efetiva e reconhecida internacionalmente e caminhos para o dinheiro entrar e sair do clube, coisa que hoje não existe, você tem como dialogar com parceiros.
É um modelo diferente do atual, em que se pede dinheiro para botafoguenses milionários?Sim. Esse modelo se esgotou. Não dá mais. A capacidade de endividamento do clube estourou completamente. Pontualmente, por um prazo curto, pode acontecer, mas se a gente não conseguir desbloquear e movimentar as contas, nem isso.
E a promessa de criar um centro de treinamento integrado para a base e o time profissional?É outra coisa que o Carlos Alberto vai poder nos ajudar. O nosso vice de finanças, Álvaro Antunes, que é construtor — mas não usará a empresa dele para construir o CT —, está desenvolvendo o projeto. São de oito a dez campos, com alojamento para concentração. Precisamos localizar o terreno e vamos oferecer este projeto ao mercado. O Botafogo tem o knowhow, já tem os atletas e a possibilidade da disputa dos campeonatos. O investidor estudaria uma forma de fazer o aporte e participar dos resultados.
POR EDUARDO ZOBARAN