Fracasso da seleção sub-20 acende discussão sobre o comportamento de jovens e a influência que recebem antes de chegarem aos profissionais
Companheiros de Fla, Adryan e
Mattheus treinam com a seleção
(Foto: Alexandre Durão)
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Em Minas Gerais, Leleu é convocado para treinar com os profissionais, ainda em 2012. Aproveita a oportunidade e aparece com novo penteado, pintando o cabelo de loiro. A comissão técnica dá um puxão de orelha, e o jogador retorna à atividade da tarde com um corte mais discreto. O brinco, porém, não sai da orelha.
Um dos destaques do Santos na Copa São Paulo de Futebol Júnior deste ano, Neilton costuma valorizar o visual, muito parecido com o de Neymar. O mesmo faz Gabigol, que garante ter um moicano mais bonito que o do craque santista.
Os exemplos são apenas alguns da atual geração sub-20, que cada vez mais cedo ganha espaço entre os profissionais e destaque na mídia, aumentando sua remuneração e o faturamento dos clubes com venda para o exterior. A eliminação precoce da seleção no Sul-Americano da categoria - não conseguindo ficar entre os três primeiros em um grupo de cinco - fez surgirem críticas e dúvidas sobre o comportamento dos atletas. A primeira partiu do próprio técnico Émerson Ávila, que afirmou:
- O jogador hoje em dia tem muito poder no futebol. Talvez isso aconteça por concessões que o clube acaba fazendo.
Diante deste cenário, o GLOBOESPORTE.COM ouviu jogadores, técnicos, dirigentes, psicólogos e empresários e visitou treinos dos juniores dos quatro principais times do Rio de Janeiro, além de ouvir histórias e depoimentos em outros clubes grandes do país. Jogadores se defendem, treinadores apontam falhas em certas posturas, empresários tentam evitar jovens problemáticos e psicólogos procuram estudar até a estrutura familiar para traçar metas e evitar deslizes no meio do caminho. A ascensão meteórica e o crescimento socioeconômico parecem ter mudado o comportamento dos jogadores na base. E será que estão tomando o cuidado devido com eles?
Dunga, técnico Inter, faz críticas à
base (Foto:Tomás Hammes/
GLOBOESPORTE.COM)
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O Flamengo forneceu um exemplo de comportamento de jovens da base e de quem os comanda. No fim de um treino no Ninho do Urubu, em uma conversa entre juniores e recém-promovidos aos profissionais, Rodolfo conta que, ao chegar de carro, o porteiro perguntou a ele e a Rafinha se eram atletas - procedimento para a identificação de quem entra e sai do CT. Rafinha, sorrindo, complementa que fechou o vidro da janela do carro e seguiu.
Os dois receberam de volta gargalhadas e a frase de um dos integrantes da comissão técnica da base: “Ele não vê jornal?”. O episódio foi dias antes da vitória por 4 a 2 sobre o Vasco, partida em que Rafinha de fato se destacou.
- Nesse dia nós chegamos e demos bom-dia. Aí, ele (o porteiro) nos deu a plaquinha (do estacionamento) e perguntou se éramos atletas. Nós rimos e fomos embora. Passamos todo dia por ele, e via nossa cara. Com certeza éramos atleta - contou Rodolfo.
A psicóloga dos juniores do Botafogo, Michele Melhem, não citou casos específicos, mas explicou como agir no convívio diário ao ser questionada sobre o excesso de brincadeiras das comissões técnicas com os jogadores na base.
- É importante não perder a interação, a relação de brincadeira, ainda mais nos juniores, porque consideramos que eles não estão prontos. Mas é extremamente pertinente o que está dizendo, tem que saber a hora de dar a bronca, ser mais duro, falar com seriedade. Mas a brincadeira existe até no profissional, como um estilo para formar um espírito coletivo de grupo.
- O que atrapalha mesmo é o psicológico do jogador. A gente almeja aquilo desde cedo, e, quando chega lá, tem que descer... O pessoal desce até um pouco desanimado, porque quer ficar lá (no profissional) para sempre - contou o lateral-direito Igor Julião, de 18 anos, que atua no Fluminense e evita o estilo boleirão de se vestir.
O contato com ídolos é acrescido ao deslumbramento com a nova vida. E os treinadores creem que isso foge do controle, acreditando que pode existir certo descompromisso com a base.
- Às vezes eles pensam que viraram jogadores (profissionais). Vemos acontecer essa falta de compromisso, ou com clube ou com a seleção sub-20, o que nos deixa chateados. Aqui no Fluminense tentamos interferir no processo. Não é fácil, tem muita coisa de fora que interfere. É uma briga de cachorro grande. Nós queremos puxar para um lado e muita coisa puxa para outro - opina Marcelo Veiga, técnico dos juniores do Fluminense.
Ideia parecida tem Cleber dos Santos, treinador do Flamengo.
- Os jogadores estão sendo aproveitados muito precocemente. Uma cobrança muito grande para os jogadores de 15 a 17 anos, de apresentarem um rendimento de profissionais. E essa cobrança pelo rendimento também altera o comportamento. Eles veem como espelho os jogadores do profissional, que têm um comportamento diferente dos da base pelo salário, pelo local onde moram, pelo status social. Então esses jogadores, quando começam a ter esse tipo de cobrança, se acham no direito de se comportarem da mesma maneira que os profissionais. Vejo que isso é uma bola de neve. Pela cobrança, pelo espelho nos jogadores do profissional, que têm muitas regalias... Os jogadores da base veem isso como uma forma natural, como tem acontecido ultimamente - disse.
A possibilidade de maior remuneração é demonstrada de diversas maneiras no mundo das categorias de base. Em um treino do Vasco, um funcionário avisava que teria de conversar com Jhon Cley - que trabalhava com os juniores após um período entre os profissionais. E ouve de outro jogador, em tom de brincadeira: “Já vai sufocar”, uma maneira de dizer que faria um pedido de ordem financeira. No Flamengo, houve episódio semelhante: um funcionário aproximou-se da lateral e brincou com um atleta: “Quando estiver lá (no profissional), vai me dar um carro de presente”.
Muito dinheiro
Então entra o dinheiro. Nos juniores, os atletas recebem em média de R$ 2 mil a R$ 4 mil. Em casos extremos de promessas com potencial, os salários podem alcançar valores próximos de alguns profissionais. Isso faz com que se tornem comuns, em treinos dos jovens, tênis extravagantes e chuteiras com cores chamativas - geralmente cedidos por fornecedores de material com quem eles já têm contrato ou oferecidos pelos empresários - além de celulares de última geração e cordões de ouro. E às vezes o comportamento sai dos treinos e vai para as redes sociais.
Renan, apelidado de Panterinha por ser filho do ex-atleta Donizete Pantera, postou no Twitter que havia gastado R$ 1.800 em uma boate. Cobrado por alguns torcedores na rede social, o meia do Flamengo respondeu com um novo post: “Não sou nenhum Adriano da vida, não! Não sei nem o que é esse dinheiro. Era só zoação. Quem me dera ter 1.800”.
Panterinha diz que declaração no Twitter foi brincadeira e cita Adriano (Foto: Reprodução / Twitter) |
Atual treinador da base do Botafogo, Anthony Santoro faz uma comparação com duas promessas do Fluminense da época em que trabalhou por lá.
- O Lenny uma vez chegou a um treino com um Audi, um carrão. Foi lá nos ver em Xerém. Ele não vinha de um momento bom no profissional. Veio com a calça camuflada, cheio de cordão, óculos de dar inveja em mulher. Falei que era o momento de passar despercebido. Disse: “O momento não está bom para você. Chega mais tranquilo, reservado, para não virar o holofote para você”. Ele só ouviu. No dia seguinte, chegou o Marcelo, com um Peugeot 206, bermudinha tranquila. Ele quase saindo para o Real Madrid, e o Lenny em um momento ruim, os dois no profissional. O Marcelo mais tranquilo, reservado, e decolou. O Lenny até hoje não conseguiu - conta Anthony Santoro, que também trabalhou no Flamengo e citou Bruno Paulo como exemplo de jogador que se deslumbrou com dinheiro.
Vilão ou não?
- O jogador não tem muito compromisso de brigar pela posição. Deveria se desdobrar e provar que tem o mesmo nível do que está jogando. Mas ele fala com o empresário, que o tira do clube e o coloca em outro.
Os empresários de renome se defendem e garantem que têm diminuído a ação nas categorias de base. Segundo eles, o mercado está aquecido para quem acabou de entrar no ramo e oferece ajuda de custo, bens materiais e pertences para cativar os meninos e criar um vínculo afetivo que os garanta vantagem em futuras negociações de contrato.
- Estamos investindo pouco na base. Os empresários em geral procuram pagar uma ajuda de custo. Mas é trabalhoso. Eu não tenho muito jogador na base. Mas investimos. O grande problema são os treinadores da base. Se tivessem nível de cultura melhor para trabalhar, ajudaria muito. São geralmente ex-jogadores, que têm o mesmo vício que tinham quando eram jogadores. Os clubes deveriam ter um trabalho melhor. Deveria haver um curso para os treinadores da base - disse Léo Rabello, que tem entre seus jogadores Thiago Neves, do Flu, e Bernardo, do Vasco.
Hábitos diferentes
Alguns jogadores tentam fugir de um comportamento que chame a atenção. Filho de médico, Carlos Daniel, de 18 anos, deixou Manaus para se dedicar ao futebol e divide treinos do Botafogo com a leitura e estudos. Aprovado na primeira fase da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ele tinha o sonho de cursar medicina, mas não conseguiu fazer a segunda etapa por causa de um compromisso pelos juniores.
- Brinco, cordão, não gosto muito. Procuro sempre estar na minha, para não puxar a responsabilidade para mim. Uma responsabilidade que talvez ainda não seja minha. Mesmo quando estiver na mídia, na fama, vou procurar ser o mais simples possível. Além de jogar futebol, procuro ser bom no estudo também. Meu pai é médico e me incentiva muito para estudar, para ler - contou.
Carlos Daniel foi aprovado em medicina e foge do estilo boleirão (Foto:Diego Rodrigues) |
O pilar da família, aliás, é um dos principais pontos observados por psicólogos.
- A base familiar faz o atleta se diferenciar nos seus comportamentos, tanto de disciplina quanto de gerenciamento de carreira. O que não significa questão econômica. Estou falando de base familiar, sistema afetivo, emocional, de apoio, comunicação. Vemos pessoas de baixa renda, com estrutura de família sólida, e o menino se destacando. A questão familiar faz toda a diferença para se desenvolver no futebol - explica a psicóloga Michele Mellen, do Botafogo.
E os conselhos deveriam perdurar, na opinião de Anthony Santoro, técnico da base alvinegra:
- Sabemos que muitas vezes as coisas entram em um ouvido e saem pelo outro, mas de tanto falar alguma coisa pode ficar.
Por Diego Rodrigues Rio de Janeiro
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