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sexta-feira, 1 de maio de 2015

Carta ao Renê

Arthur Dapieve



Por favor, não entenda as minhas palavras nem como um ‘já ganhou’ nem como uma entrega de pontos

Caro Renê Simões,

Não sei se você vai se lembrar de mim, mas já dividimos uma mesa de debates no Copacabana Palace. Foi no 8º Footecon, em dezembro de 2011, quando o fórum internacional de futebol organizado pelo Parreira se antecipou na jogada e homenageou o centenário de Nelson Rodrigues. Éramos nós, o André Rizek e o Tino Marcos conversando sobre a relação entre futebol e imprensa, aí incluídos cronistas palpiteiros, como este que vos digita. Sou o careca de óculos. Se não se lembra, não importa.

O que importa é que, durante o Campeonato Carioca, você escreveu duas cartas aos torcedores do Botafogo. A primeira foi depois da virada por 2 a 1 sobre o Nova Iguaçu. Você afirmou: “Várias vezes fiquei aguçado para escrever, mas faltava um motivo mais forte do que trabalho e resultados”. Na ocasião, você teve 13 mil motivos: número de alvinegros presentes ao Nilton Santos para apoiar o time o tempo inteiro.

A sua segunda carta aos torcedores do Botafogo foi publicada no site oficial do clube após o segundo jogo da semifinal contra o Fluminense, aquele das 22 cobranças de pênalti, coroadas pelo gol de Renan, logo o homem encarregado de evitá-los. Nesta carta, mais uma vez, você celebrava a aliança entre o time e a torcida. Você disse: “Há o comprometimento em resgatar a autoestima do clube e de sua torcida, vocês que são os verdadeiros donos (...) torcedores apaixonados e sofridos com o ano passado”.

Achei que estava na hora de retribuir suas amáveis cartas. Se o faço dois dias antes da finalíssima contra o Vasco é porque minhas palavras não serão alteradas pelo resultado. Nosso bravo adversário agora leva vantagem pelo 1 a 0 na primeira partida. E você alertou sobre o perigo das jogadas de bola parada... Curiosa expressão, esta que tanto usamos. Ou a bola está em jogo ou está parada. Depois falamos dos portugueses.

Haja o que houver depois de amanhã, vocês já ganharam, Renê, muito obrigado. Por favor, não entenda as minhas palavras nem como um “já ganhou” nem como uma entrega de pontos. O que o Botafogo reconquistou até agora — e isso ninguém tasca, ninguém tira — foi a autoestima da qual você falava em uma de suas cartas. Quem tem de estar em crise existencial são nossos adversários que vão disputar a Série A e foram confrontados de igual para igual por um time montado tendo em vista a Série B.

Quando o ano começou, escrevi que não me entusiasmava a dupla escalada pelo presidente Carlos Eduardo Pereira para a missão de reconduzir o Botafogo à Série A: você e o gerente de futebol, Antônio Lopes. Porém, também escrevi que a escolha era coerente com a pedreira da Série B. Precisávamos de gente experiente, cascuda... Sabíamos todos que a volta à “elite do futebol brasileiro” seria o verdadeiro troféu.

No ano passado, de triste memória, o Botafogo chegou em nono lugar no Carioca, atrás dos outros três grandes, de Cabofriense, Boavista, Friburguense, Macaé e Nova Iguaçu. Houve momentos, inclusive, em que os péssimos resultados fizeram o time flertar com a Segunda Divisão estadual. Daí meu respeito pelas raçudas atuações de 2015, com o time reconstruído praticamente a partir do zero por você e Lopes.

No ano passado, de triste memória, o pior não seria nem o tal nono lugar no Carioca, como você pode imaginar, Renê, e sim o rebaixamento no Brasileirão. Na nossa primeira queda, em 2002, ainda houve a sensação de que ocorrera um acidente, um enorme mal-entendido. Nesta última, de 2014, ficou a impressão de que o time fora rebaixado de propósito, por alguma maquinação incompreensível da diretoria anterior.

Essas águas só estarão inteiramente passadas em dezembro, se tudo der certo, com o retorno à Série A, mas por ora não temos do que reclamar. Da atuação individual deste ou daquele jogador numa partida específica, claro que sim. Da condução geral da temporada, não. Temos um grupo financeiramente modesto que, justo por ter os salários em dia, pode se concentrar apenas e tão somente em jogar futebol. Precisamos de ainda mais reforços — físicos, táticos, técnicos — do que os já anunciados. Mas já ganhamos.

Contudo, talvez “o motivo mais forte” para lhe escrever tenha sido outro. O seu comentário sobre a decisão da Fifa de suspender o Jóbson por quatro anos, pelo fato de ele ter se recusado a fazer um exame antidoping suspeito na Arábia Saudita, país onde não recebia os seus salários e onde é proibido o consumo até de álcool. Você disse que é “uma sentença de morte”. Parabéns pela coragem. Ver uma entidade imaculada como a Fifa tirar de um homem — um homem que peleja para se manter distante de um vício — a única coisa que ele sabe fazer na vida é revoltante. Transformemos revolta em força.

Abraço do

Arthur

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