Carlos Eduardo Pereira fez acordos fiscais e trabalhistas, “proibiu" novos empréstimos bancários e adequou gastos às receitas. Ainda endividado, o clube enfim entra no eixo
RODRIGO CAPELO
Nos primeiros dias de 2017, em entrevista ao Globo Esporte, Carlos Eduardo Pereira usou uma metáfora para definir a situação do Botafogo. Disse o cartola que, quando concorreu pela primeira vez à presidência, em 2011, havia uma tempestade no horizonte. Em 2014, quando enfim venceu a eleição, o clube já estava dentro dela. Naquele ano a equipe foi rebaixada pela segunda vez à Série B e indicadores financeiros apontavam para a falência – as dívidas chegaram a R$ 795 milhões sem que houvesse dinheiro suficiente para pagar nem sequer uma fração disso. Passaram-se dois anos com o dirigente na dianteira. Em campo, o time foi campeão da segunda divisão em 2015 e surpreendeu ao ficar em quinto lugar na elite em 2016. Nos aspectos administrativo e financeiro, a tempestade continua. Mas o clube, ao menos, conseguiu um guarda-chuva.
A herança de administrações anteriores é nefasta e ainda ameaça a existência do Botafogo, mas Pereira fez alguns avanços significativos. Um deles, raro no futebol brasileiro, foi adequar os gastos do clube às receitas. O faturamento alvinegro em 2016, de R$ 218 milhões, é um ponto fora da curva. Os direitos de transmissão de 2019 a 2024, negociados antecipadamente com a TV Globo, renderam R$ 58 milhões em luvas – um prêmio pelo acerto. Uma receita que não se repetirá tão logo. Consideremos, então, as receitas recorrentes, sem considerar luvas nem transferências de jogadores. O Botafogo é um clube cuja arrecadação está na casa dos R$ 150 milhões. As despesas, entre remunerações de atletas e gastos administrativos, somam quase R$ 140 milhões. A conta fecha. Esse é o primeiro passo para solucionar a trágica situação botafoguense porque as dívidas só podem ser pagas quando sobra algum dinheiro na operação do time.
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No campo das dívidas, o primeiro movimento positivo foi concluído na transição do antecessor Maurício Assumpção para Pereira, em dezembro de 2014. O Botafogo foi inserido no Ato Trabalhista. Isso permitiu ao clube pegar boa parte de suas dívidas trabalhistas, produto da negligência de administrações anteriores em uma década, e entrar no seguinte acordo: o time paga uma quantia mensal, que aumenta com o tempo, e os credores fazem uma fila para receber os valores devidos em dez anos. Assim o passivo trabalhista botafoguense foi reduzido de R$ 285 milhões em 2014 para R$ 253 milhões em 2016. Mais importante do que isso, o acordo alivia o fluxo de caixa do clube. Em vez de perder receitas constantemente, como bilheterias e patrocínios penhorados pela Justiça para pagar ex-atletas e outros credores, a direção passa a honrar com os pagamentos acordados de modo previsível e controlado.
O segundo movimento veio já em plena gestão de Pereira. O time alvinegro, como dezenas de adversários no país inteiro, aderiu ao Profut, a lei federal instituída em 2015 pelo governo de Dilma Rousseff que permitiu aos clubes refinanciar suas dívidas fiscais em até 20 anos. Uma vantagem, aí, foi o desconto de percentuais consideráveis em juros, multas e encargos. Com isso o Botafogo reduziu seu endividamento fiscal de R$ 386 milhões em 2014 para R$ 314 milhões em 2016. Repare que o valor, assim como no caso das dívidas trabalhistas, ainda é assustador. A equipe não gera dinheiro suficiente para pagar tudo de uma vez. Nem perto disso. Mas a dívida fiscal foi equacionada. Desde que não deixem de pagar as parcelas mensais referentes ao Profut, bem como as do Ato Trabalhista, os dirigentes alvinegros não criarão mais problemas.
Resta, ainda, a dívida bancária. Antes de Pereira chegar ao comando do Botafogo, em 2014, essa parcela do endividamento somava R$ 119 milhões. O problema nesse caso é que os empréstimos de instituições financeiras vêm acompanhados de juros, e isso continua a pesar sobre os ombros do cartola. Dois anos depois, as dívidas bancárias continuam a ser problemáticas, com R$ 115 milhões devidos, a maior parte disso em curto prazo. Mas há dois asteriscos a serem colocados aqui. O primeiro é que R$ 35 milhões desse montante correspondem a uma dívida com a Odebrecht que, como ÉPOCA revelou, a construtora não cobra. A tendência é que esse número aumente, aumente, aumente... e prescreva. Não é, portanto, algo com que a diretoria financeira tenha de se preocupar. O segundo asterisco, por sua vez, aponta um comportamento único entre dirigentes da primeira divisão: Pereira praticamente não toma novos empréstimos bancários. Em 2016 foram só R$ 2,4 milhões, enquanto rivais cariocas contaram com dezenas de milhões de reais emprestados.
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Ainda há alguns bons motivos para ânimo nos lados de General Severiano. Diferentemente de rivais como Vasco e Fluminense, o Botafogo tem o estádio Nilton Santos sob seu comando. Isso lhe abre possibilidades em termos de bilheterias, como o pacotes de ingressos para a temporada inteira que começaram 2017 com boas vendas, e também comerciais. A direção alvinegra tem mais facilidade para vender camarotes e patrocínios num estádio moderno do que, de novo, o Vasco com num estádio envelhecido e menor como São Januário. A boa performance em campo, com a participação na Libertadores de 2017, torna possível um aumento relevante no faturamento botafoguense nesta temporada. Desde que os gastos sigam controlados, há potencial para redução de dívidas.
Nada do que foi descrito até aqui é suficiente para euforia. Com R$ 172 milhões em dívidas de curto prazo e um orçamento apertado para 2017, o time enfrenta problemas maiores do que o seu porte financeiro. Na condição atual o torcedor pode contar com duas situações ingratas: jogadores terão de ser vendidos no decorrer da temporada e grandes reforços continuam a ser inviáveis. Mais acordos com credores são necessários para aliviar o endividamento que vence no decorrer de 2017. Não tem jeito. Não se resolvem R$ 700 milhões em dívidas em somente duas temporadas. Além disso, qualquer deslize ou extravagância pode tirar o clube do eixo. A tempestade continua. Mas há um punhado de motivos para crer que Pereira começou a tirar o Botafogo debaixo dela.
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Fonte: Época/RODRIGO CAPELO
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