Promovido já com um gol no profissional, promessa de 19 anos vira esperança da torcida em 2018 e esbanja personalidade para dar voltas por cima na carreira: "Pessoas ainda vão saber quem sou eu"
O rótulo de joia no futebol geralmente é atribuído às promessas das categorias de base com potencial para brilhar no profissional. Mas em raras vezes a ordem se inverte. Como aconteceu com Ezequiel. Autor do gol de empate por 2 a 2 com o Cruzeiro no Nilton Santos, na última rodada do Campeonato Brasileiro deste ano (veja o lance no vídeo abaixo), o atacante de 19 anos já vai ser efetivado na reapresentação ao time principal com status de xodó da torcida.
Gol do Botafogo! Ezequiel dribla Bryan e toca com tranquilidade para empatar aos 23' do 2º
Com o ataque desfalcado após as saídas de Roger e Guilherme e com o setor carente de reforços até o momento, os alvinegros estão apostando alto no garoto pelo pouco que viram dele por enquanto – foram só 50 minutos ao todo, 38 contra o Cruzeiro e 12 diante do Palmeiras. A jogada em que driblou Bryan e tirou do alcance do goleiro Rafael serve também de inspiração para o jovem, que não cansa de ver o vídeo.
– Perdi as contas (de quantas vezes reviu o gol). No dia seguinte o que tinha de gente me marcando nas redes sociais... Eu tenho esse vídeo no telefone, hoje mesmo quando acordei olhei e bateu uma saudadezinha. Mas 2018 está aí para fazer mais gols – projetou, lamentando apenas que não tenha sido suficiente para levar o Botafogo à Libertadores.
Ezequiel jogou só 50 minutos no profissional e já se destacou (Foto: Vitor Silva/SSPress/Botafogo)
Mas o que mudou na vida de Ezequiel depois do gol?
– Até agora, acho que pouca coisa. Ainda ando na rua e não me reconhecem. Estava brincando com meu irmão esses dias, que as pessoas ainda vão saber quem sou eu (risos).
Persistência 1
Basta uma resenha com o garoto para perceber que ele foge do estereótipo de jogador em início de carreira. Timidez não tem vez, é daqueles que brincam e divertem o grupo. Badalação, tampouco. Mesmo solteiro, evita euforia, é caseiro e curte as folgas em casa assistindo a filmes de ação ou comédia na "Netflix" ("não gosto muito de séries"). Mas a realidade de dificuldades para começar no esporte é aquela pelas quais a grande maioria passa no Brasil.
Morador do Meier, atacante hoje vive perto do local de treino (Foto: Divulgação)
Morador do Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro ("do outro lado da estação"), Ezequiel sempre preferiu futebol de campo e jogar no ataque. Mas teve que se contentar com as quadras no início. Aos oito anos, o começo no futsal foi por ser mais acessível: um amigo de seu pai tinha uma escolinha chamada "Casa Branca" no mesmo bairro onde vivia.
Dali, conseguiu vaga no futsal do América e, depois de muitos gols nas quadras, veio a sonhada chance no gramado. Mas não direto no ataque. Com o setor concorrido por jogadores um pouco mais velhos, sobrou a lateral direita para ele. Da ala, passou para o meio de campo, virou volante, até que no ano seguinte os "veteranos" estouraram a idade, só aí pôde se tornar atacante.
Persistência 2
Foi federado – para disputar campeonatos oficiais pela primeira vez – ainda no América, onde jogou por quatro anos. Se hoje está pertinho do Nilton Santos, o deslocamento para os treinos em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, a cerca de 50 km do Méier, foi outro obstáculo enfrentado no início pelo atacante e sua família, que por vezes recorria aos conhecidos para ajudar no transporte.
Ezequiel ficou cerca de oito meses fazendo peneira no Botafogo (Foto: Divulgação)
A saída do América para o Audax-RJ encurtou os trajetos para os treinos, mas durou poucos meses. Seu empresário logo conseguiu uma vaga em uma peneira do Botafogo em Marechal Hermes. Porém, o que era para ser um simples teste virou um longo e cansativo processo que começou no segundo semestre de 2011 e se arrastou até meados de 2012.
– Fiquei bastante tempo no Botafogo fazendo teste, de seis a oito meses. Todas as vezes que eu iria federar trocava de treinador. Por ser tão novo, tinha 13 anos, achava que poderia ser sempre na próxima vez. Então quando trocava de técnico pensava em treinar mais forte. Mas era chato, confesso (risos).
Persistência 3
Ezequiel, enfim, virou jogador do Botafogo. Mas, outra vez, precisou ser resiliente diante de poucas oportunidades de jogar – era reserva daquela geração que foi vice-campeã da Copa do Brasil Sub-17 em 2015. Fora da Copinha no ano seguinte, aceitou o desafio de fazer um intercâmbio com o Golden State, dos Estados Unidos. Lá, marcou sete gols e foi campeão da "Dallas Cup".
Atacante marcou sete gols e foi campeão nos EUA em intercâmbio do Botafogo (Foto: Divulgação)
– Foi numa época em que não estava jogando tanto, tendo poucas oportunidades aqui, aí aproveitei essa chance lá com unhas e dentes. Não só por ter sido campeão, mas por ter feito bons jogos, gols... Isso me deu uma confiança maior quando voltei.
Quando retornou a General Severiano, encontrou uma comissão técnica diferente, já sob o comando de Eduardo Barroca. Foi com o treinador que o atacante começou a chamar a atenção, mas ainda assim demorou a ganhar oportunidades diante da forte concorrência do setor, que tinha Renan Gorne, Pachu, Igor Cássio...
Persistência 4
Ezequiel completou treinos da seleção sub-20 na Granja Comary durante uma semana (Foto: Divulgação)
Até para chegar à seleção brasileira foi na base da persistência. Pouco aproveitado por aqui, Ezequiel não estava na lista de convocados pelo técnico Rogério Micale para o Sul-Americano Sub-20. Mas durante a preparação para o torneio na Granja Comary, em Teresópolis, região serrana do Rio, precisaram de mais um jogador para completar os treinos durante uma semana.
E Barroca, que estava na seleção como auxiliar, chamou o atacante. Empolgado, ele se destacou nos treinamentos, fez amizade com todo mundo e divertiu o grupo com brincadeiras na concentração, com direito à imitação do técnico alvinegro (veja no vídeo abaixo).
Joia 2018: Ezequiel, promessa do Botafogo, conta passagem engraçada em treino da Seleção
Se dependesse do elenco, o atacante iria junto para a competição que foi disputada no Equador entre janeiro e fevereiro deste ano. Não foi e, de longe, viu o Brasil decepcionar, terminar em quinto lugar e perder a vaga no Mundial da categoria.
Hora da afirmação
A família evangélica de Ezequiel é o alicerce para ele nunca desistir. O pai Wilson, a mãe Solange e o irmão mais velho Ericson, de 22 anos, são os mais próximos e presentes na vida do garoto, especialmente o pai coruja ("meu torcedor número 1"). Lá estavam eles no Nilton Santos no dia 3 de dezembro, chorando com o primeiro gol profissional do filho, que teve o nome tirado da Bíblia. Mas os parentes e o apoio se espalham pelo país.
– No Twitter criaram até a hashtag #FamíliaGrandeDoEzequiel. Eles me acompanham em qualquer lugar, tenho família em São Paulo, em Minas... Procuram estar sempre perto me apoiando, ganhando ou perdendo. Até quem não era família me dava ajuda. Andar sozinho com 10, 11 anos é complicado em cidade grande. Já tive mães de amigos meus, a quem a gente chama de tia, me levando para treinos do América em Santa Cruz.
Ezequiel com o pai Wilson e a mãe Solange: apoio familiar e muita fé (Foto: Divulgação)
E depois de tanto persistir, agora é hora de se firmar. Com contrato até o fim de 2019 e multa de R$ 16 milhões para o mercado nacional e R$ 20 milhões para fora, a joia começa a ganhar reconhecimento e já tem até um patrocínio da Adidas. Na pré-temporada, terá o auxílio do zagueiro Marcelo, com quem tem mais contato no profissional, e vai reencontrar Felipe Tigrão, técnico que chegou a colocá-lo como dupla de Luís Henrique no sub-17.
– Espero manter a sequência e responder a todas as expectativas. O que todo jogador sonha quando sobe para o profissional é fazer um gol, eu já fiz. Estrear bem, eu também consegui. Acho que 2018 reserva muita coisa boa para mim, estou com a cabeça boa, focado. Abri mão de muita coisa por um sonho e vou continuar. Agora é hora de definir minha vida, não totalmente, mas dar um passo muito grande.
Mais próximo das redes, atacante mira brecha no ataque e não descarta ser "falso 9" (Foto: Thiago Lima)
A inspiração para ele no futebol não joga de atacante, mas também fazia muitos gols: Ronaldinho Gaúcho, principalmente na época de Barcelona, na Espanha. Estufar a rede não era sua especialidade na base, mas ele vem tomando gosto depois que Barroca começou a utilizá-lo como centroavante: nove de seus 15 gols na temporada saíram assim. E com a falta de camisa 9 no profissional, ele não descarta a ideia de tentar aproveitar a brecha.
– A maneira que a gente jogava na base acabou me ajudando. Por ser veloz, e os zagueiros estarem acostumados a não correr tanto para trás, eu evitava muito pegar a bola de costas porque não ia acrescentar tanto. Eu usava os dois movimentos, ia na frente e puxava para as costas. E estando mais perto do gol, foi a época em que mais marquei. Foram nove dos 15 gols esse ano, se não me engano. Acho que consegui me adaptar e estou preparado caso precise.
Ficha técnica:
Nome: Ezequiel Santos da Silva
Data de nascimento: 09/03/1998
De onde vem: Meier, Zona Norte, Rio de Janeiro
Altura: 1,66 m
Peso: 63 kg
Clubes: América, Audax-RJ e Botafogo (desde 2011)
Fonte: GE/Por Thiago Lima, Rio de Janeiro
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