Ao ge, novo diretor de futebol detalha os dois meses de início de gestão, bastidores das primeiras ações e os planos para reforçar o clube no campo e organizar a casa fora dele
Na gestão que promete ser marcada pela chegada de executivos, o primeiro da fila foi o diretor Eduardo Freeland. Ele foi o escolhido para, no dia a dia do futebol, reerguer um gigante após um rebaixamento e com dívida quase bilionária. No Botafogo, a aposta é na "total autonomia" do dirigente.
Esse é o sentimento de Freeland e o recado passado pelo presidente Durcesio Mello. Não terá poderes imperiais e será cobrado, mas vai trabalhar com independência para resultados já no curto prazo. Para o diretor, essa é uma promessa que, se cumprida até o fim do mandato, marcará um divisor de águas na história do clube ao ser levada a todos os setores, além do futebol.
Isso é muito incomum. Você vê isso um pouco mais em clube-empresa e, ainda assim, tem toda uma estrutura para você obedecer. Desde orçamento, obviamente, até decisões mais técnicas. Mas é algo que tem sido muito respeitado.
Diretor chegou em janeiro para comandar o futebol - Vitor Silva/Botafogo
Na primeira entrevista exclusiva à frente do futebol do Botafogo, Freeland detalhou o início de trabalho, os bastidores das primeiras ações e as decisões da tentativa de reconstrução do clube. A começar por temas mais complexos, como as mudanças internas de gestão e a repercussão da chegada do novo CEO, Jorge Braga.
Mas também analisou os reforços, as dispensas e o perfil do elenco que terá a missão de devolver o clube à elite do futebol brasileiro. O diretor avisou: a torcida pode esperar mais contratações até o início da Série B.
"TOTAL AUTONOMIA"
ge: Como foram os primeiros dias de trabalho?
Eduardo Freeland: Eu chego acompanhando à distância o clube. Depois de eu fechar com o presidente, eu demorei ainda alguns dias para iniciar meu trabalho e comecei a conversar com algumas pessoas que já conhecia e a tentar entender um pouco o ambiente. Alguns impactos já foram claros dentro desse diagnóstico que estava buscando. O que foi impactante era uma apatia geral, principalmente dos atletas, falta de confiança e autoestima muito baixa.
Eu vi a comissão técnica muito empenhada em mudar o cenário, mas a resposta não estava vindo. Outra observação foi a estrutura oferecida. Eu percebi uma estrutura organizacional muito interessante, mas uma estrutura física aquém se a gente pensar no tamanho da instituição, era um ponto que o clube precisava investir e isso tem sido conversado.
Parte do projeto que te trouxe ao Botafogo mira o profissionalismo da gestão e a reconstrução do clube. O que já mudou e o que deve ser colocado em prática ainda neste primeiro semestre?
O principal impacto, que acho que é muito relevante, é a autonomia. O presidente falou muito de autonomia e carta branca na minha chegada. Eu estou há 50 dias no clube e essa autonomia é muito real da parte dele. Tivemos decisões muito difíceis, como a saída do próprio Barroca, momentos muito tensos e o tempo todo ele me deu total autonomia para tomar a melhor decisão que eu entendi. Quando conversei com o Durcesio, definimos esses pilares. Não é uma autonomia autoritária, mas sim de co-responsabilidade, de você trazer as pessoas que são os detentores daqueles conhecimentos.
Por exemplo, na escolha do treinador foram quatro pessoas que me ajudaram a tomar a decisão. Não fui eu, sozinho, que achava que era o melhor nome e acabou. Mas uma autonomia para quem é técnico da área, seja de que área for. Ninguém está atropelando ninguém e todos entendem que aquela pessoa é responsável por aquela área específica. Quando vamos fazer um contrato de um jogador, sento com o jurídico e definimos juntos o que pode e o que não pode. Não é porque eu quero, vai ser e acabou. Isso eu acho que é um grande sinal de profissionalismo.
Freeland junto do presidente Durcesio e do vice Vinícius Assumpção - Vitor Silva/Botafogo
Dentre os muitos erros do Botafogo em 2020, um dos principais foi a troca de técnicos, que aconteceu cinco vezes. Qual vai ser a sua postura quanto a isso daqui para frente?
Quando a gente parte para a escolha do treinador e chega ao nome do Chamusca, nossa intenção era ser o mais criterioso possível, para que a gente corresse menos risco da necessidade de troca. Acho que a grande pergunta é: por que se troca tanto? Tem várias respostas e indicadores que a gente pode destrinchar. São muitas as possibilidades e não estou falando nem do Botafogo, mas do futebol brasileiro em geral. É muito complexo esse assunto. O que eu penso, enquanto conceito, é longevidade.
De 2019 para cá, o comando mudou 10 ou 11 vezes, sendo que o Barroca e o Valentim foram repetidos. Isso é muito depreciativo para a instituição.
Na entrevista de apresentação você repetiu bastante a palavra "diagnóstico", seja para conhecer o departamento ou para entender o que não deu certo em 2020. Passados dois meses, esse diagnóstico já existe?
Estruturado, desenhado e escrito, não. Até iniciei algo que me desse um embasamento. Posso dizer que com a chegada do CEO talvez a gente vai para um novo momento de um diagnóstico dele que talvez possa me trazer outras reflexões. Mas a parte da qual eu observei: entender o motivo dos resultados do passado, que ações a gente poderia ter para não repeti-los, o que precisávamos fazer para mexer um pouco com o ambiente, entender um pouco do orçamento do clube, da atuação de quem estava ou está aqui. Isso está muito claro.
MISSÃO SÉRIE B
O que levou à escolha do Chamusca? A primeira impressão correspondeu às expectativas do clube sobre ele?
Alguns fatores foram determinantes para a escolha do Chamusca. Além da experiência em acessos, um cara que conhece muito esse mercado, o que ajuda no momento de contratar jogadores e também na conduta do dia a dia. É impressionante o que eu colhi de informações da pessoa do Chamusca também. A gente esteve muito atento na escolha do ser humano atleta e do ser humano treinador. A gente sabe que teremos momentos bons e ruins e quanto melhor o ambiente e as pessoas envolvidas, a gente acredita que supera mais rápido os momentos ruins.
Estamos muito satisfeitos. Chamusca é extremamente simples, prático, conhecedor, trouxe uma equipe totalmente qualificada que nos deu o que precisamos, com uma relação interpessoal muito favorável.
São nove contratações confirmadas até o momento, e o Botafogo segue em busca de suprir outras carências. Além de Ricardinho, o torcedor pode esperar mais novidades antes da Série B?
A gente basicamente contratou um por posição, mesmo tendo atletas de bom nível e que estão entregando em algumas posições. A gente procurou organizar as contratações com um perfil específico. O Chamusca participa, o Barroca participou, mas as contratações são do Botafogo, a análise vai além do treinador, com análise de mercado, desempenho, saúde.
Vetamos algumas possibilidades, trouxemos outras, alguns atletas já saíram. A gente vai olhar com um pouco mais de calma até o final do Estadual, sem gerar expectativa fora do nosso padrão. Temos que ser responsáveis com o clube, que espero que esteja mais oxigenado a partir do ano que vem.
Temos mais dois meses para analisar com calma e talvez trazer mais uns quatro, cinco reforços. Não deve ser muito mais que isso.
Com foco em reforços experientes na Série B, Carli foi o nome mais conhecido até agora - Vitor Silva/Botafogo
E o perfil desses reforços? Que tipo de jogador o Botafogo quis e ainda quer contratar?
Se fizer um estudo das últimas equipes que subiram, a média de idade é de 25 a 28 anos, e a equipe do Botafogo que visualizei quando cheguei era muito jovem. E os jogadores mais maduros não vinham sendo utilizados. A média de idade era muito baixa e busquei trazer jogadores mais maduros, com características de liderança, para equilibrar mais o vestiário, o que proporciona ao atleta mais jovem uma menor responsabilidade de carregar o piano. A nossa intenção é continuar olhando para jogadores com um pouco mais de experiência, não necessariamente de idade, mas que deem mais casca para a equipe, para o vestiário, independentemente se vai ser titular ou não.
Como o clube tem pensado o elenco? Em termos de quantidade de jogadores, uso da base, custo da folha salarial.
- Eu tenho o número ideal, Chamusca tem o número ideal. O nosso ideal é 25 ou 26 jogadores mais os goleiros. Mas muitos jogadores aqui no clube têm contratos até o final de 2021. Ou eu não contratava ninguém e a gente tentava remontar dentro do que tinha ou a gente partia para a saída de alguns, tentava acordo com outros e buscava contratar para mudar a atmosfera, que é a linha que escolhemos.
Estamos sendo transparentes com os jogadores que terão menos espaço, com os que estão sendo avaliados, tenho conversado com os atletas individualmente para saber a expectativa de quem chega e para eles saberem nossas expectativas sobre eles. Queremos colocar o Botafogo não só competitivamente, mas historicamente no lugar em que sempre esteve. A nossa intenção é mesclar a saída de alguns jogadores ao longo do tempo, sempre de forma respeitosa, deixar claro o planejamento do clube pra eles e, concomitantemente, trazer jogadores para reforçar tecnicamente o time e mudar o ambiente.
Qual têm sido a participação do Chamusca nisso? E qual foi a do Barroca?
Se vocês vissem as indicações do Barroca, eram indicações muito abertas porque eu também gosto de trabalhar com um volume grande por posição. E com volume grande eu digo quase 30 jogadores por posição. Então, na verdade, o Ricardinho estava na lista do Barroca. Se a gente acertar com ele nos próximos dias, ele vem dessa lista também. Todos eles, de certa forma, vão estar na lista do Barroca e do Chamusca. Geralmente os treinadores têm o banco de dados deles.
Tem que ser bom para eles e também para o clube. Por isso que é tão importante a gente tentar passar um raio-x para que a gente consiga identificar as potencialidades técnicas, mas muito além disso. Porque esse cara tem que ter a capacidade de jogar com o Chamusca, Barroca ou quem quer que venha um dia. A gente sabe que futebol é muito cíclico. Queremos que o Chamusca passe a temporada e fique mais tempo no clube, se tudo der certo e a gente espera que seja isso, mas o jogador é do clube, acima de qualquer coisa.
Rei dos acessos, Chamusca foi o escolhido para treinador - Vitor Silva/Botafogo
O Kalou está nesses desejos de dispensa?
Ele é um jogador que tem uma história que a gente tem que respeitar muito. O jogador, nesse caso, é o menos culpado de receber o salário que recebe. Não dá um problema de atraso, nada. É extremamente dedicado nos treinos. A nossa intenção é: se o jogador tem contrato com o Botafogo, ele vai estar disponível para o Botafogo. Se hoje ele não está indo para a relação, amanhã ele pode ir.
A remuneração que é muito acima do que a gente deveria estar pagando, pensando nesse descenso que ninguém gostaria. E a minha intenção é potencializar o que ele pode nos trazer além do campo. Porque a história desse cara é algo que a gente deve muito respeito. Pode ser até o fim do ano ou por mais três, quatro meses. O presidente está liderando esse processo. Seja com a história dele, quem ele é, com a base, futebol feminino, os próprios atletas que estão aqui no profissional. Colocá-lo para passar experiências de tudo que viveu. É um projeto que a gente está montando internamente e devemos apresentar para ele na semana que vem.
DIVISOR DE ÁGUAS
De que forma a presença do novo CEO vai interferir no futebol e no seu trabalho?
Todos os fluxos serão mais fáceis e o controle orçamentário será mais rígido. Tudo que o clube for fazer de contrato, seja qual esporte ou área for, tem um controle e uma triagem mais segura. Sempre ficou muito claro que o futebol vai estar inserido nisso e tem que estar. Existe uma responsabilidade que o futebol tem que cumprir e metas a serem cumpridas, principalmente nas questões financeiras. O que sempre foi colocado é que o trabalho dele é um facilitador, inclusive, do meu trabalho.
Nos conhecemos e fizemos uma reunião importante que durou quase duas horas. Nós debatemos vários assuntos e a troca foi muito saudável Ele vai tentar organizar a instituição para que o futebol tenha um pouco mais de tranquilidade. Então, em linhas gerais, a autonomia, no que diz respeito às questões técnicas, vai ser imutável. O que vai mudar um pouco é: precisamos bater algumas metas, precisamos não extrapolar algumas situações orçamentárias e eu acho que isso é muito importante de acontecer.
Nessa linha do profissionalismo, quais são as metas e as cobranças para Durcesio e o CEO avaliararem o seu trabalho?
O clube está com uma linha de governança muito clara. Está muito claro o que o clube quer: transparência, clareza, discrição. Sempre tem panos de fundo nas nossas reuniões que acabam que esses pontos são tratados de alguma forma. Acredito que, obviamente, a avaliação do meu trabalho pelo CEO e pelo Durcesio vai ser muito em relação aos resultados. E aí eu espero que não seja apenas resultado de campo, por mais que isso seja determinante no futebol profissional, mas também numa linha mais geral de estruturação e organização.
Acho que isso possa ser uma pergunta a ser feita ao CEO de quais indicadores podem ser avaliados no meu trabalho e quais ele avalia nos outros profissionais. Ele está chegando e agora vai ver o básico do básico para saber em que pé estão as coisas. Claro que vai gastar muita energia com isso nos próximos dias, mas é uma pergunta importante.
Freeland aposta em trabalho de longo prazo - Vitor Silva/Botafogo
E o que a torcida pode cobrar?
Podem cobrar de mim que eu seja muito criterioso nas escolhas e ser muito responsável pela instituição. Não vou contratar aquele cara que ganha salário altíssimo porque para a torcida é legal. Mas se eu entender que esse cara pode entregar dentro e fora do campo, e achar que o custo-benefício dele faz sentido, vou pensar nisso e penso nisso desde que cheguei. Mas o custo-benefício tem que ser muito levado em consideração. Vou errar? Vou, com certeza, porque sou ser humano e erro.
O que podem esperar de mim é: responsabilidade com a instituição, dedicação, ser muito criterioso para tomar as decisões. Outro ponto que acho que pode ser levantado: questões contratuais. Todo jogador que a gente contratar, estamos cuidando para que seja um contrato bom para ele, para ele querer vir, mas que seja muito bom para o Botafogo. Que dê os cuidados necessários para que o Botafogo não continue gerando passivos. O clube não pode mais se dar ao luxo disso.
Você fez carreira nas divisões de base. Passou pelo próprio Botafogo, por Cruzeiro, Flamengo... Como essa experiência pode te ajudar no profissional? E o que espera da base do Botafogo?
Sem dúvida que a maior experiência que eu tive na base foi de gestão de pessoas. Se hoje eu me sinto preparado para alguma coisa, é para gerir pessoas. No Flamengo eram 400 atletas, no Botafogo chegamos a ter 250 atletas, Cruzeiro um pouco menos. Tive uma sorte na minha vida de poder trabalhar em muitas funções.
Acredito muito na formação, principalmente na formação integral, e disse isso para eles. Eu quero do jogador é o que ele entrega dentro e fora de campo. Eu não quero problema aqui em cima. O jogador da base que é excepcional, mas me dá um monte de problema fora de campo não vai vir para cá. Não tem como vir. Porque eu não posso trazer profissionais que me deem problema, que me deem trabalho e pode desequilibrar um ambiente que está muito equilibrado.
E o que a torcida pode cobrar?
Podem cobrar de mim que eu seja muito criterioso nas escolhas e ser muito responsável pela instituição. Não vou contratar aquele cara que ganha salário altíssimo porque para a torcida é legal. Mas se eu entender que esse cara pode entregar dentro e fora do campo, e achar que o custo-benefício dele faz sentido, vou pensar nisso e penso nisso desde que cheguei. Mas o custo-benefício tem que ser muito levado em consideração. Vou errar? Vou, com certeza, porque sou ser humano e erro.
O que podem esperar de mim é: responsabilidade com a instituição, dedicação, ser muito criterioso para tomar as decisões. Outro ponto que acho que pode ser levantado: questões contratuais. Todo jogador que a gente contratar, estamos cuidando para que seja um contrato bom para ele, para ele querer vir, mas que seja muito bom para o Botafogo. Que dê os cuidados necessários para que o Botafogo não continue gerando passivos. O clube não pode mais se dar ao luxo disso.
Você fez carreira nas divisões de base. Passou pelo próprio Botafogo, por Cruzeiro, Flamengo... Como essa experiência pode te ajudar no profissional? E o que espera da base do Botafogo?
Sem dúvida que a maior experiência que eu tive na base foi de gestão de pessoas. Se hoje eu me sinto preparado para alguma coisa, é para gerir pessoas. No Flamengo eram 400 atletas, no Botafogo chegamos a ter 250 atletas, Cruzeiro um pouco menos. Tive uma sorte na minha vida de poder trabalhar em muitas funções.
Acredito muito na formação, principalmente na formação integral, e disse isso para eles. Eu quero do jogador é o que ele entrega dentro e fora de campo. Eu não quero problema aqui em cima. O jogador da base que é excepcional, mas me dá um monte de problema fora de campo não vai vir para cá. Não tem como vir. Porque eu não posso trazer profissionais que me deem problema, que me deem trabalho e pode desequilibrar um ambiente que está muito equilibrado.
Fonte: GE/Por Davi Barros, Emanuelle Ribeiro e Thayuan Leiras – Rio de Janeiro
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