Executivo chega com currículo de sucesso em recuperação financeira de empresas, mas estilo de administração causa incômodo no clube, principalmente ao entrar no futebol
Vitor Silva/Botafogo
A contratação de um CEO era promessa de campanha da chapa formada por Durcesio Mello e Vinicius Assumpção na última eleição do Botafogo. Escolhido após pesquisas e entrevistas que duraram mais de dois meses, Jorge Braga assumiu o cargo em março e rapidamente implementou seus métodos à administração do clube. Especialista em recuperação de empresas, mudou processos e tomou decisões que possibilitaram corte de gastos no curto prazo. Por outro lado, provocou um conflito de culturas que mexeu com as estruturas do clube, em especial no futebol, e causou desconforto.
Exatamente 100 dias após o CEO chegar ao Botafogo, o ge responde a uma pergunta comum entre os torcedores do clube: quem é e como trabalha Jorge Braga?
A contratação de um CEO era promessa de campanha da chapa formada por Durcesio Mello e Vinicius Assumpção na última eleição do Botafogo. Escolhido após pesquisas e entrevistas que duraram mais de dois meses, Jorge Braga assumiu o cargo em março e rapidamente implementou seus métodos à administração do clube. Especialista em recuperação de empresas, mudou processos e tomou decisões que possibilitaram corte de gastos no curto prazo. Por outro lado, provocou um conflito de culturas que mexeu com as estruturas do clube, em especial no futebol, e causou desconforto.
Exatamente 100 dias após o CEO chegar ao Botafogo, o ge responde a uma pergunta comum entre os torcedores do clube: quem é e como trabalha Jorge Braga?
A BUSCA PELO CEO
Ao tomar posse no Botafogo em janeiro deste ano, a gestão de Durcesio e Vinicius estabeleceu os seguintes pré-requisitos na busca pelo profissional para o cargo de CEO: não precisava ter experiência no futebol e pouco importava para qual time torcesse, mas tinha que ser especialista em gestão, para realizar o necessário turnaround.
Essa é uma palavra importante para entender o Botafogo atual. Turnaround consiste no processo de recuperação de empresas que dão grandes prejuízos e precisam encontrar uma forma de voltar a competir no mercado. Mas fazer isso não é simples, especialmente no Botafogo, onde a relação dívida/receita é de oito vezes.
Contratada para procurar o CEO no mercado, a empresa de headhunter Exec apresentou cinco nomes ao Botafogo após a realização de pesquisas e entrevistas. O clube, então, reduziu a lista a três candidatos: Jorge Braga, Claudio Hermolin e Marcus Vinicius Freire, como revelou o ge no fim de fevereiro. Realizadas as entrevistas finais comandadas por Durcesio Mello, a escolha de Braga foi unânime.
Com currículo de sucesso quando o assunto é recuperação de empresas, o CEO promoveu mudanças consideradas bem-sucedidas desde que assumiu o cargo. Até agora, Braga reduziu a folha salarial do Botafogo de R$ 7 milhões para R$ 4 milhões. Mas isso não veio sem ruídos. Internamente, há incômodo na forma como o diretor-executivo se insere no futebol sem ter experiência para tal, e a relação com Eduardo Freeland, diretor de futebol, não é das melhores. Além disso, algumas pessoas reclamam da maneira direta, considerada agressiva às vezes, que Braga usa em certos momentos.
Jorge Braga foi anunciado como CEO do Botafogo em 27 de março (https://ge.globo.com/video/jorge-braga-e-escolhido-para-o-cargo-de-ceo-do-botafogo-9360455.ghtml)
A VIDA PRÉ-BOTAFOGO
Criado na Rua Pernambuco, a 1km de onde hoje é o estádio Nilton Santos, Jorge Braga, atualmente com 55 anos, sempre adotou postura discreta, apesar de ser um dos principais executivos na área de turnaround do país. Na apuração para este perfil, o ge encontrou apenas duas reportagens em que o então diretor de negócios da Nextel contava sua experiência de pegar a empresa de telecomunicações e conseguir fazer com que ela saísse do vermelho e passasse a dar lucros. O próprio interesse em fazer este perfil surpreendeu o diretor-executivo do Botafogo.
Braga tem uma carreira consolidada no campo das empresas de telecomunicações e de consultoria. Seu primeiro emprego na área foi no cargo de diretor da então Telemar, hoje Oi, no início dos anos 2000. Naquele período, chefiou a unidade de negócios e geriu uma operação que começou praticamente do zero e faturou quase R$ 1 bilhão. Em 2006, fundou a 360º Assessoria de Resultados e Participações, uma consultoria que Braga gosta de chamar de "fazedoria", pois não apenas recomendava os passos a seguir para as empresas que a contratavam, mas também executava.
Segundo Rafael Rocha, executivo da Payface que trabalhou com o atual CEO do Botafogo em um projeto com uma instituição financeira naquele período, uma das principais características de Jorge é conseguir dialogar com pessoas de uma ponta do processo à outra.
- É um cara que se relaciona muito bem com todas as pessoas, desde o ponto operacional até o estratégico. Trabalhando, ele tem essa característica de ser muito exigente, sempre com objetivos muito desafiadores, mas o trabalho se prova e é factível. É um cara que está sempre do seu lado para te apoiar, jogando junto - disse Rafael, que ainda elencou três pontos sobre como a experiência de mercado de Jorge Braga pode ajudar o Botafogo.
O histórico dele é em ambiente de alta competição, empresas supercompetitivas que disputam cliente a cliente a sua participação no mercado. Essa ênfase em prazo e resultado ajuda, porque quem tem R$ 1 bilhão de dívida tem pressa;
Competência técnica. Ele é CEO de verdade. Consegue ter a visão de mercado, de finanças e de operações. No Botafogo, ele pode diagnosticar quais são as alavancas para começar a mostrar esse resultado para engajar a torcida, que é o grande cliente do clube;
Terceiro é a habilidade dele de se relacionar com as pessoas. Porque vai precisar se relacionar com torcida, sócios, credores, atletas, funcionários e precisa ter esse jogo de cintura para lidar com todos esses públicos.
Além de Rafael, o ge conversou com outras pessoas que trabalharam com Braga em projetos na 360º, na Nextel e na Claro - empresa na qual ele estava antes de ir para o Botafogo, no cargo de diretor de experiência do consumidor. Todas fizeram questão de elogiar a liderança do CEO alvinegro. Por mais que esteja acostumado a trabalhar em projetos de curtíssimo prazo - às vezes com menos tempo de execução do que o período que está no clube - o histórico é de obtenção de resultados.
Diretoria do Botafogo se manifestou em nota oficial a favor da profissionalização promovida pelo CEO - Vitor Silva/Botafogo
A experiência de mercado que melhor qualifica Braga para realizar o turnaround no Botafogo é o período em que esteve na Nextel. Diretor de operações da companhia (COO na sigla em inglês) entre outubro de 2015 e maio de 2017, ele assumiu a responsabilidade de fazer uma empresa deficitária voltar a gerar dinheiro e teve grande contribuição na venda da empresa para a Claro por R$ 3,85 bilhões. A experiência se transformou em case de sucesso no mercado.
Sem anotar nas reuniões, Jorge lembrava e cobrava assuntos tratados semanas antes, além de estudar temas que não dominava, conforme relata Diego Alvarez Correia, que era diretor da área de digital e respondia diretamente ao hoje CEO do Botafogo. Diego conta que o chefe dizia: "Põe a culpa em mim". Porém, a partir do momento em que Braga conseguia dar os recursos necessários aos subordinados, passava a ser obrigação deles a entrega. E isso ele exigia.
- O Braga é uma força da natureza, ele move transformações muito profundas. Onde ele chega, a barra está numa posição e ele coloca um pouquinho mais para cima ou um "muitinho". É um cara muito respeitoso, ético e justo. Claramente sabe ser duro quando tem que ser. As pessoas que performavam mantêm relação com ele até hoje. (...) Certamente o Braga não é um perfil para todos. Nem todo mundo vai saber lidar bem com o Braga. Ele é chamado para missões muito específicas, com transformações profundas que exigem pessoas específicas.
No passado, a Nextel chegou a ter faturamento acima de R$ 10 bilhões, mas não conseguiu se reposicionar após a chegada do 3G. Quando assumiu o cargo na companhia, Jorge Braga percebeu resquícios de uma empresa rica que já não existia mais. Cortou na carne, com demissões e mudança de local do call center da empresa - saiu do Morumbi, região nobre de São Paulo, para a Barra Funda, área de aluguel bem mais barato. Fechou o primeiro ano com eficiência estimada em R$ 1,5 bilhão.
Qualquer semelhança com a economia no Botafogo em 2021, com demissões e concentração das operações no Nilton Santos, não é coincidência. Tempos gloriosos ficaram no passado, e o clube encara dura realidade dentro e fora de campo.
A VIDA NO BOTAFOGO
Assim como ocorre no contrato com jogadores nesta temporada, o CEO também tem metas a cumprir no Botafogo. Elas passam por redução da dívida do clube, conquista do acesso para a Série A, sucesso no processo de captação de dinheiro para a S/A, entre outras.
O primeiro mês começou com bastante escuta, como ele avisou que faria. Jorge Braga conversou com diversos setores do clube para tentar encontrar soluções que aliviassem a sangria do caixa alvinegro num primeiro momento. Ainda pouco reconhecido na rua, justamente pelo perfil reservado, o executivo se surpreendeu quando em seus primeiros dias no cargo foi abordado por um torcedor alvinegro no aeroporto, que o cumprimentou e perguntou onde conseguir o pin da Estrela Solitária que Braga usava no paletó.
Feitas as conversas, Jorge Braga tomou decisões para amenizar de imediato o rombo: renegociou algumas dívidas de curto prazo, promoveu melhorias na comunicação interna do clube e realizou as demissões de cerca de 90 funcionáriosque, segundo ele, eram necessárias para garantir o emprego dos 80% remanescentes.
Jorge Braga também enviou ao Conselho Deliberativo, e viu os conselheiros aprovarem, a nova versão da Botafogo S/A, idealizada por Gustavo Magalhães. O documento chegou ao CD após passar por minuciosa revisão do CEO, que incluiu algumas ideias suas no projeto, como um comitê fiscalizador e a não exclusividade de investidor.
Com o CEO, o organograma do clube passou por ligeira modificação. No cenário desejado, Jorge Braga terá diretores que respondem a ele: financeiro, futebol e negócios. José Luiz Parrode chegou junto com o executivo para ocupar a vaga no financeiro (que também é chamado de Centro de Serviço Compartilhado, ou CSC). Ainda falta o diretor de negócios, que, segundo Durcesio Mello, será escolhido pelo CEO. Desde antes da chegada de Braga, o futebol é tocado por Eduardo Freeland.
Eduardo Freeland apresenta Ronald no dia 1 de março. Diretor de futebol chegou ao clube antes do CEO - Vitor Silva/Botafogo
Quando Braga assumiu, não era segredo sua falta de experiência no mundo do futebol. E aí reside a principal crítica interna ao CEO nos primeiros 100 dias. Sem qualquer conhecimento anterior na área, Braga é contestado por entrar no dia a dia do principal departamento e tomar decisões que impactam no cotidiano do futebol. Outra corrente dentro do clube considera inevitável o envolvimento do executivo na área com mais ativos do Botafogo.
A contratação da Footure, por exemplo, causou incômodo naqueles que discordam da participação direta de Jorge Braga no departamento de futebol. Escolhida pelo CEO, a empresa ajuda a analisar o mercado e a medir o valor dos atletas do clube, além de sugerir a melhor forma de agir quanto à negociação de determinado jogador, seja para emprestar, vender etc... Com isso, o clube consegue ter uma noção de quanto vale no mercado determinado atleta para decidir, por exemplo, se faz uma venda imediata para o mercado interno ou se aguarda a abertura da janela europeia.
Demorou um pouco, mas hoje, aparentemente, o assunto da contratação da Footure é página virada, e Freeland e Braga conseguiram se entender, com a ajuda de Durcesio e Vinicius. Os quatro, inclusive, criaram por sugestão da Footure um conselho para tomar as decisões referentes ao futebol de maneira conjunta. É natural que existam discordâncias, mas no fim eles chegam a um acordo. Foi assim na recente negociação sobre a venda de PV para o Internacional.
Internamente, Jorge considera que aceitar o cargo no Botafogo representa uma chance de contribuir para a transformação da administração do futebol brasileiro, de amadora para profissional. Na concepção dele, isso significa mudar a cultura do clube, com cobrança muito maior em todas as áreas. Aí surge outra crítica interna: a forma de lidar com as pessoas.
Entre os entrevistados pelo ge que trabalharam com Jorge antes de chegar ao Botafogo, todos destacaram que ele sabia cobrar de maneira firme, quando necessário, e também ajudava as pessoas a atingir o objetivo, de maneira educada e cordial. Nos bastidores do clube, a firmeza - que alguns acreditam esbarrar na grosseria em certos momentos - é mais comentada do que a cordialidade.
O próprio Braga reconhece que às vezes é necessário ter uma conversa mais dura. Houve uma reunião sobre a centralização das sedes em que o CEO considerou ter saído do encontro com uma definição sobre o que deveria ser feito. Duas semanas depois, um funcionário do Botafogo explicou que não fez o que Braga considerava acordado porque não concordava com a definição. O executivo estranhou, mas acreditou novamente ter chegado a um consenso. Mais duas semanas, surgiu outro empecilho. "Aí o tom fica seco", disse ao ge.
Logo após assumir, Jorge Braga conhece escritórios do clube no Nilton Santos - Vitor Silva/Botafogo
É essa mudança de cultura que Jorge tenta implantar no Botafogo. E ele reconhece a impossibilidade de uma transformação tão profunda não vir acompanhada de rusgas naturais ao processo.
- Meu maior desafio é transformar a cultura do Botafogo numa cultura de times de alta performance sustentável. Isso eu fiz a vida inteira em várias indústrias (...). Estabelecer metas, indicadores, negociar recursos e cobrar resultado. Então, a cobrança é natural em qualquer área e a cobrança com o futebol, assim como o financeiro, como jurídico, como negócios, é sempre a mesma: respeitosa, orientada a resultado, mas cobrança, né? E com senso de urgência que o Botafogo precisa, porque, infelizmente, a gente não tem mais anos. A gente tem meses ou talvez semanas.
É essa mudança de cultura que Jorge tenta implantar no Botafogo. E ele reconhece a impossibilidade de uma transformação tão profunda não vir acompanhada de rusgas naturais ao processo.
- Meu maior desafio é transformar a cultura do Botafogo numa cultura de times de alta performance sustentável. Isso eu fiz a vida inteira em várias indústrias (...). Estabelecer metas, indicadores, negociar recursos e cobrar resultado. Então, a cobrança é natural em qualquer área e a cobrança com o futebol, assim como o financeiro, como jurídico, como negócios, é sempre a mesma: respeitosa, orientada a resultado, mas cobrança, né? E com senso de urgência que o Botafogo precisa, porque, infelizmente, a gente não tem mais anos. A gente tem meses ou talvez semanas.
Por parte da diretoria, o trabalho do CEO só recebe elogios até o momento. Uma das novidades implementadas por Braga é a realização de uma reunião diária com o que chama de Comitê de Caixa, para decidir o que o clube paga, o que renegocia e o que espera um pouco mais.
No outro lado da moeda, o próprio Jorge Braga admite obstáculos na caminhada. Ele diz, por exemplo, que deveria ter gastado mais tempo explicando internamente a real situação financeira do clube. Na visão dele, esse tipo de informação deve partir diretamente da chefia, não da rádio-corredor tão comum no ambiente corporativo.
Para os próximos passos, existem ações necessárias que acabam conectadas: diminuir dívidas, buscar investidores para a S/A e encontrar dinheiro novo. Feita a primeira arrumação dentro de casa, o Botafogo agora vai ao mercado. Para Durcesio Mello, os próximos 100 dias devem ser de reuniões internacionais para a busca da S/A.
- Vai ter tempo mais pra gente começar a fazer um roadshow. Eu quero ir com ele (Braga) e o Gustavo à Europa para visitar potenciais fundos que estão lá. Tem um fundo americano interessado. Então, a gente tem que ir lá, porque tem que ser presencial daqui pra frente. A gente está tentando viabilizar como fazer isso. Talvez encontrar todos da Europa em Portugal, porque pode ficar três dias e voltar a negócio, fazer reunião com fundo americano no México, porque o México permite entrada de brasileiros vacinados. Então, agora, eu acho que o foco dele nos próximos cem dias é a S/A.
Fonte: GE/Por Davi Barros – Rio de Janeiro
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