Diretor de negócios do clube explica ausência de patrocínio máster, necessidade de definição sobre fornecedor de material esportivo e muito mais
O Botafogo mudou desde a chegada de Lênin Franco. Diretor de negócios desde julho deste ano, ele já tem deixado sua marca nas questões envolvendo uma das maiores dificuldades do clube na temporada: a busca por dinheiro novo. Tido pelo CEO Jorge Braga como o atacante do time da diretoria, Lênin é o responsável por colocar em prática mudanças substanciais na forma como o Botafogo lida com negócios. Guardadas as devidas proporções, ele faz algo semelhante ao que seu xará realizou na União Soviética em março de 1921 quando transformou a política econômica do país.
A comparação não é para ser levada ao pé da letra, mas Lênin Franco tem como objetivo mudar a cultura interna no departamento comercial e também passar a valorizar mais a marca do Botafogo. Essa ideia é justamente o que está por trás de o time alvinegro não ter um patrocinador máster na camisa. Em conversa com o ge que durou cerca de uma hora, o diretor comentou que, às vezes, não ter dinheiro é melhor do que qualquer dinheiro. Recentemente, o Botafogo recusou um patrocínio de R$ 200 mil por achar que o preço não era condizente com o valor do espaço pretendido na camisa.
- Vou fazer uma analogia que as pessoas costumam fazer, mas não funciona com gestão de marca que é o avião quando voa com a poltrona vazia. Voar com a poltrona vazia é prejuízo para a empresa. Nesse caso é porque ele tem um custo fixo que precisa para voar. Se não vende a poltrona ele não cobre o custo e já voou no prejuízo. Só que quando você fala de gestão de marca você tem prejuízos que podem ser a curto, médio ou longo prazo. A gente recebeu uma proposta pro máster que era o equivalente ao valor de manga.
- Eu não posso abrir mão de um espaço tão valioso por conta de qualquer dinheiro porque isso é ruim para o próprio clube. Não à toa a gente não fechou e passado um mês a gente fechou com outra empresa com valor maior. Acho que muito do Botafogo ficar esse tempo todo sem patrocínio máster é reflexo pelo o que fez lá atrás de entregar as coisas sem fazer conta, de não entregar o que prometia e esse trabalho que a gente faz agora é justamente de recuperar isso, fazer o mercado entender que existem pessoas que estão preocupadas em fazer entregas interessantes. Nosso papel não é só de trazer receita mas é também de ser guardião da marca. E uma das maneiras de ser guardião da marca é dar o devido valor a ela.
Lênin Franco, diretor de negócios do Botafogo - Vitor Silva/Botafogo
Um dos assuntos mais urgentes para o diretor de negócios é a definição sobre qual vai ser o fornecedor de material esportivo para a próxima temporada. O contrato com a Kappa termina em dezembro deste ano e o clube está no limite do tempo para definir, já que precisa ter um novo uniforme a partir de janeiro de 2022. Lênin é entusiasta da possibilidade de ter uma marca própria porque isso dá um aumento de duas a três vezes nas receitas do clube. Porém, exige uma estrutura difícil de ser implementada em cerca de dois meses. Segundo ele, essa possibilidade só será levada adiante se não houver nenhuma proposta na mesa.
- Se eu tenho uma proposta de uma empresa em que ela tem uma vantagem financeira a curto prazo para o Botafogo, tendo a entender que é a melhor situação, hoje, para a gente. Acho que a marca própria é muito vantajosa. Sou muito apaixonado pela ideia de marca própria. Acho que existe ainda uma percepção e um senso comum muito distorcido do projeto de marca própria, mas que é algo que a gente pode ir mostrando para o torcedor aos poucos. Porém, para eu ir para a marca própria, hoje, é só se não tiver nenhuma proposta na mão.
O trabalho de Lênin no Bahia foi a principal credencial para chegar ao Botafogo. Ele passou oito anos trabalhando no clube que era torcedor quando criança e é possível observar semelhanças nos dois clubes. Enquanto esteve em Salvador, Lênin fez parte do trabalho de reconstrução do clube tricolor que, segundo ele, foi dividido em três etapas. A comparação que gosta de fazer é como se pegassem um terreno baldio. Primeiro, foi necessário capinar e fazer a terraplanagem (2013). Em seguida, pôde-se plantar (2014-2017). Para, atualmente, colher e vender (2018-). Na concepção dele, o Botafogo passa pelas duas primeiras fases simultaneamente.
Porém, há uma diferença histórica e cultural. No Bahia, a demanda por democracia existia há mais de 30 anos, até que Fernando Schmidt foi eleito em 2013 para um mandato-tampão. No caso do Botafogo, o trabalho de profissionalização se dá após anos de uma cultura paternalista que ele e a diretoria atual tentam mudar.
- Antigos dirigentes ou personalidades sempre estiveram perto para poder socorrer. Isso virava uma muleta para o clube. Bateu o desespero? Chama o fulano para ajudar. Isso não criava musculatura para poder resolver com as próprias pernas depois. Essa cultura não tinha lá então isso é ainda algo que é muito diferente que é o que estamos tentando quebrar. O que dizemos a essas pessoas que continuam ajudando é que não é para ser mais ajuda é para ser negócio. Se você quer trazer algo para cá, beleza. Traz e a gente vai ver o que podemos entregar como propriedade comercial para que isso seja um negócio de fato e que os dois lados estejam ganhando.
Quem é Lênin Franco
Filho de Jussara, ex-dona de casa e atualmente empreendedora, e Edmundo, professor de história, Lênin tem esse nome naturalmente por causa do líder soviético. O pai era bastante engajado em movimento político, fez parte de movimento estudantil, lutou contra a ditadura militar no Brasil e nomeou o outro filho em homenagem a Allende, ex-presidente chileno morto em decorrência do Golpe de Estado que instaurou a ditadura de Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.
Mas a influência do pai não está só no nome de Lênin Franco. Envolvido com questões políticas do Esporte Clube Bahia desde os anos 80, seu Edmundo foi um dos fundadores do primeiro grupo de oposição a Paulo Maracajá, que presidiu o clube entre 1979 e 1994. É importante citar a relação do pai de Lênin com o Bahia porque essa foi uma das razões para duas mudanças na vida dele. Nascido em Salvador, Lênin chegou a tentar ser jogador de futebol, mas foi na faculdade de publicidade que acabou entrando no meio.
Profissionalmente, o caminho do diretor de negócios do Botafogo começou na Federação Baiana de Futebol, então comandada pelo atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Depois do período, Lênin se mudou para São Paulo para trabalhar como scout e olheiro de um empresário europeu que atuava principalmente na Bélgica e Holanda. Foi então que voltou a Salvador. Ao saber que seu Edmundo teve um câncer diagnosticado, Lênin largou o emprego e retornou para a cidade natal para passar os últimos dias com o pai.
Lênin Franco na época de Bahia - Felipe Oliveira/EC Bahia
Por lá, trabalhou numa universidade e criou uma WebTV de torcedor, algo como são os canais de clubes hoje em dia. Por causa desse trabalho e do bom trânsito que o pai tinha entre a diretoria tricolor que assumiu em 2013 após uma intervenção judicial, Lênin passou a trabalhar na comunicação do Bahia. Por lá ficou até o primeiro semestre desse ano, até que pegou Covid em abril e foi internado.
Ao receber alta, foi a vez de ele ver a esposa ser internada no dia seguinte que voltou pra casa. Os dois ficaram bem, mas até hoje Lênin sofre com sequelas como taquicardia e falta de ar em momentos aleatórios. Passado o susto inicial, ele colocou na cabeça que precisava mudar alguma coisa na própria vida. Pouco tempo depois chegou a proposta do Botafogo, além uma do Santos e de uma empresa de consultoria. E assim ele veio para o Rio de Janeiro. Foi mais uma vez que experiência de proximidade com a morte alterou os rumos profissionais do diretor de negócios do Botafogo.
- Mudou totalmente minha percepção de mundo. Sou uma pessoa muito ligada à família, principalmente minha esposa e meu filho. O fato de ter chegado muito perto de partir me deixou com a sensação de que tinha que cumprir algo diferente para a minha vida senão estaria incompleto. Agora, o que era esse diferente eu não fazia ideia. Tipo, vou raspar a cabeça, tirar a barba. Não sabia o que tinha que ser, mas algo me dizia que era em relação à vida pessoal/profissional porque minha família está em Salvador e eu estou sozinho aqui no Rio. É algo que ainda me dói bastante. Mas essa mudança de chave foi muito de quando enxerga que a vida é um sopro, sabe? O principal era dar uma segurança maior à família caso eu tivesse ido.
Confira toda a entrevista com o diretor de negócios
ge - A gente fez uma matéria no mês passado falando que o Botafogo recusou algumas ofertas de patrocínio por não concordar com o valor oferecido. Por que o Botafogo não tem um patrocinador máster hoje? Pra um clube que precisa de dinheiro novo, algum dinheiro não é melhor que nenhum dinheiro?
Lênin Franco - Não, às vezes não é. Vou fazer uma analogia que não funciona com gestão de marca: o avião que voa com poltrona vazia. Isso é prejuízo. Nesse caso, ele tem custo fixo para voar. Se não vende a poltrona, não cobre o custo. Só que quando fala de gestão de marca, tem prejuízos que podem ser a curto, médio ou longo prazo. Por exemplo: não sou adepto de patrocínio pontual. Eventualmente pode ser que a gente faça quando é uma oportunidade realmente positiva, mas sou contra porque acho que quando faz muito patrocínio pontual você rifa a camisa que é o seu principal ativo. Isso pode ser um dinheiro que precisa, mas que não resolve a vida do clube e vai trazer um prejuízo para a imagem lá na frente.
- Em relação ao que recusamos, recebemos uma proposta pro máster que era o equivalente ao valor de manga. Disse pra empresa que se o limite financeiro era esse, então podiam se adaptar a outra propriedade. Não posso abrir mão de um espaço tão valioso por conta de qualquer dinheiro, porque isso é ruim para o clube. Não à toa não fechamos com essa empresa e, passado um mês, fechamos com outra empresa, que é do mesmo segmento, para a manga com valor maior do que tinha oferecido. Isso mostra que havia uma desproporcionalidade.
- Muito do Botafogo ficar esse tempo sem patrocínio máster é o reflexo pelo que fez lá atrás: entregar as coisas sem fazer conta, não entregar o que prometia... Esse trabalho que fazemos é justamente de recuperar isso, fazer o mercado entender que existem pessoas que estão preocupadas em fazer entregas interessantes. Não só expor. Temos o exemplo agora com o "Vacine-se". A marca vai pro máster em dois jogos que já fez parte do acordo para poder ter um incremento financeiro. Tudo isso mostra ao mercado que o Botafogo entra numa nova vertente e essa valorização que a marca precisa passa por isso. Nosso papel não é só trazer receita mas também ser guardião da marca. E uma das maneiras é dar o devido valor a ela.
Clube buscou novos parceiros nos últimos meses - Fernando Moreno/AGIF
Há no horizonte alguma possibilidade de novo patrocinador ainda antes do fim da temporada?
- Sim. Esse trabalho de captação é 24 horas por dia. Percebo que o torcedor acha que escolhemos a empresa, conversamos com ela e ficamos aguardando o resultado. Mas não conversamos com uma empresa. Conversamos com 30, 40 ao mesmo tempo porque tem empresa que é muito engessada nas decisões e tem muita gente para decidir. E tem empresa que é rápida para decidir. Normalmente a gente conversa com a pessoa que decide, mas tem empresa que é através da agência.
- Tem muita conversa que vai se desenrolando, cada uma no seu tempo. Algumas com possibilidade ainda para 2021 que a gente oferece nesse fim de ano com um valor vantajoso para que o cara já pegue uma ou duas temporadas na frente. O intuito não é fazer patrocínio de um ano. O ideal é sempre a longo prazo porque você ganha fôlego e consegue se planejar com muito mais calma. Quando faz patrocínio ano a ano, você passa seis meses tentando renovar no ano seguinte. Gasta muita energia. Também tem uma questão de respeitar o prazo do mandato então na nossa cabeça tem que ser até dezembro de 2024.
- Hoje temos algumas conversas adiantadas ainda para 2021 e 2022. Agora, prometer que vai ser janeiro ou fevereiro a gente não tem como fazer porque depende também da outra parte. O trabalho é incessante para que isso aconteça o mais rápido possível. Mas é importante ponderar que há alguns anos o patrocínio representava quase que uma salvação para o clube. Hoje não é assim. O mercado não paga valores exorbitantes. O mercado que tem mais dinheiro na mesa é de apostas. Se tivesse que dar um recado ao torcedor seria: é muito mais importante que eu o tenha como sócio do que um patrocínio.
- O Bahia chegou a ter, antes da pandemia, uma receita de sócio de R$ 3 milhões por mês. Três milhões é a folha do time sem precisar de patrocínio nem nada. Só os sócios pagavam a folha. É muito mais importante e impactante para o clube se você tem um programa de sócio mais robusto. Sabemos que o programa de sócio ainda tem muito que melhorar. O programa tinha dois ou três meses quando cheguei. Mas estamos num processo de trocar o pneu com o carro andando. Temos limitações financeiras e de trabalho que estamos tentando ajustar. Mas também pensando grande, no tamanho que a gente entende que o Botafogo pode chegar.
Já que não dá pra fazer previsão, qual a porcentagem que está próxima de anunciar um novo patrocínio?
- Temos o pior percentual possível, que é 50%. Porque tudo pode mudar. Veja o exemplo da pandemia. As empresas que estavam com dinheiro para fazer investimento tiveram que recuar. Quantos clubes perderam patrocinador porque as empresas rescindiram com a mudança do cenário? Não dá pra prever nada. Torço e peço a Deus que não aconteça mais um problema com a pandemia, mas existem outros fatores. Às vezes você fecha negócio com a empresa que importa material, mas aí o dólar dispara e muda o cenário. É difícil cravar. Não é justo também criar uma ansiedade e dizer que vai acontecer. Prefiro trabalhar e, quando o torcedor reparar, já está acontecendo. É trabalhar no bastidor e fazer acontecer.
No período que você esteve no Bahia implementou com sucesso a questão do fornecedor de material esportivo próprio. Qual a possibilidade de isso acontecer no Botafogo hoje? E qual a situação da definição sobre material esportivo?
- Acho que possibilidade sempre tem. Só que não podemos achar que tudo que fazemos num lugar irá se repetir em outro. Tem características diferentes de mercado e torcida. E precisamos ter duas questões: se eu tenho uma proposta de uma empresa que tem uma vantagem financeira a curto prazo, tendo a entender que é a melhor situação, hoje. Acho que a marca própria é muito vantajosa. Sou muito apaixonado pela ideia de marca própria. Porém, para eu ir para a marca própria, hoje, é só se não tiver nenhuma proposta na mão. Basicamente é isso. Se tiver proposta e ela for vantajosa, iremos para um caminho que apresente proposta. Se a gente não tiver, aí podemos pensar num projeto de marca própria.
Quais os pontos positivos e negativos da marca própria e de um fornecedor externo?
- Quando tem uma marca que toca a produção, a vantagem é um menor gasto de energia com o processo. Porque são eles que compram o tecido, insumos, tocam a produção, fazem a entrega... A única coisa que o clube faz junto é a parte do layout, que é decidida a quatro mãos. Mas esse processo todo de produção está com a marca. Você tem uma receita menor porque divide com ela. Ela que fabrica, expõe, faz esse investimento e paga um percentual de tudo que ela vende.
- Quando tem a marca própria, esse processo produtivo é de responsabilidade do clube. Tem que decidir o tecido, fornecedor do escudo, da etiqueta, como a gola e o punho serão... Tem uma demanda de trabalho maior. Em compensação, a receita também é muito maior. Numa conta simples, duplica ou triplica a receita com venda de material esportivo. Uma das coisas que o torcedor acha é: "o Botafogo é um clube nacional e essa distribuição vai ficar difícil". Mas o clube não assume a distribuição na marca própria. Quem faz é a fábrica. Ela vai continuar entregando para todo o Brasil, assim como faz para as outras marcas. Acho que as diferenças são essas: de receita e também de demanda de trabalho entre um e outro.
Hoje o Botafogo não tem uma loja física para vender seus produtos. Como anda a questão com a loja da sede? Tem previsão para a do Nilton Santos ser reativada agora com a volta do público?
- O desenrolar da loja física está muito atrelada ao desenrolar do fornecedor de material esportivo. Porque existem formatos diferentes e modelos de negócio. Têm modelos de negócio que a marca fornece mas não opera a loja, aí você tem que ter um terceiro. Se for esse modelo precisa abrir concorrência para interessados nessa questão, que é mais demorado. Tem modelo que a própria marca opera a loja - se a gente for por esse caminho, vai ter momento em que a própria marca assume imediatamente - e tem o modelo que se fosse de marca própria o clube iria operar a loja, se quisesse, para aumentar ainda mais a receita. Mas a loja vai estar inteiramente ligada à resolução do material esportivo.
Queria saber um pouco também sobre a volta do público ao estádio. O que vocês consideram que deu certo nessas primeiras experiências, o que deu errado e pretendem melhorar?
- O Botafogo foi muito prudente em reabrir o estádio, por vários motivos. A gente cumpriu o decreto da maneira correta na forma que ele se apresentava, como evento-teste e exames obrigatórios, e fechamos parceria com uma plataforma que atende grande parte da cidade e até outras cidades para poder ampliar essa rede de atuação. Mas a gente precisava achar um equilíbrio econômico no preço do ingresso, porque abrir o estádio é caro. A gente tinha que achar um preço médio para achar um equilíbrio entre entrada do torcedor e menor prejuízo. Um torcedor inclusive me mandou mensagem perguntando por que não colocamos o preço mais baixo, já que iria encher.
- Mas encher de gente faz com que eu aumente a operação. Precisaria abrir outros portões, outras catracas, aí a operação cresce e eu perco o equilíbrio. Essa conta é difícil de chegar. Fizemos entendendo que teria um cenário de menos público nos dois primeiros jogos, mas seria bom para testarmos se os protocolos estavam certos e se o acesso ficaria bom. Já no terceiro jogo, em que o modelo ficou híbrido, o público aumentou. Mudamos um pouco a dinâmica para poder diminuir o custo de operação. Estamos tentando encontrar o balanço jogo a jogo. Com o objetivo, obviamente, de não dar prejuízo financeiro e que a gente tenha uma maior quantidade de torcedores.
O que já foi feito e o que pode ser feito para deixar o estádio um ambiente mais seguro para as mulheres?
- Começamos a fazer uma parceria com as Empoderadas. A gente vai ter um setor específico para mulheres, uma área exclusiva na arquibancada para 2022. Uma outra experiência que a gente implementou no Bahia e podemos tentar aqui é que lá tinha um "botão do pânico", que no app do clube a torcedora que se sentisse agredida ou ofendida poderia apertar esse botão. Ele iria para um WhatsApp em que ela sinalizava onde estava e um pelotão da tropa Maria da Penha iria no local. É um negócio que acho tranquilo de implementar e teve um resultado muito bom com o público feminino. Elas se sentiram mais seguras com essa possibilidade de acionar a polícia imediatamente dentro do estádio. São ações como essa que vamos ter um carinho e cuidado enorme para implementar. Porque assédio é crime e não toleramos esse tipo de coisa.
Ainda sobre torcida, muito se reclama que o plano do sócio-torcedor que dá direito à voto é extremamente caro. Há a possibilidade de ele ser mais democrático? Qual o planejamento do clube de melhorias a serem feitas para a próxima temporada?
- Direito a ingresso, desconto, rede parceira, atendimento presencial ou por telefone, maior número de benefícios para cada tipo de plano, descontos mais robustos em material... Tudo isso pode acontecer, mas demora a ser construído. Não dá para a gente cravar que vai dar um desconto de X na loja se eu não negociar com ela. Há um terceiro envolvido. Não dá para eu dizer que vou botar atendimento físico porque preciso contratar as pessoas, colocar instalação, tudo isso é investimento. Temos que fazer de um jeito que as coisas se paguem. O plano de sócios nunca está pronto. Ele não tem um momento que você diga "agora é só rodar". Ele sempre tem que estar em melhoria.
- Já em relação ao voto do sócio, envolve outras coisas. Algumas delas eu ainda estou tentando entender os cenários. Porque existe o sócio-proprietário que é uma realidade que eu não tinha no Bahia. Lá o sócio era só o sócio-torcedor. Mas aqui existe essa realidade de sócio-proprietário e sócio-torcedores. A gente tem a questão também simbólica de estatuto, que a gente precisa entender o que pode e o que não pode. Eu leio as mensagens no Twitter do torcedor pedindo que outros tenham direito a voto.
- Lá no Bahia, que é o parâmetro que tenho, o plano mais barato que dá direito a voto é R$ 49,90. Porque existia um conceito de que se fosse muito barato propicia que alguém com muito poder econômico faça abuso desse poder para ganhar uma eleição. Você precisa encontrar um preço médio que dificulte esse poder econômico para eleger quem a pessoa queira. É algo que precisa ser estudado com calma. No Bahia não foi da noite para o dia. Foram 30 anos e depois que ele aconteceu, na marra, por conta de decisão judicial, se levou alguns anos até chegar num formato que a gente entendesse, entre 2013 e 2016, que estava redondinho e aí era ir melhorando. É um processo que a gente vai passar e tem que analisar, sem dúvidas.
Dinheiro novo é uma necessidade muito grande no Botafogo até para o pagamento de salários. Ouvimos recentemente que o salário estava garantido até o fim deste mês. É essa a realidade? Qual a probabilidade de ter dinheiro novo vindo para complementar esses valores?
- Consigo responder metade dessa pergunta porque o planejamento do pagamento dos salários não é comigo. Hoje a gente tem as receitas desses possíveis patrocinadores. Às vezes você tem pequenos negócios, ações mais pontuais que ajudam com valores menores, o próprio plano de sócio, à medida que ele cresce, você tem uma receita imediata que já pode usar. Acredito que nessa reta final nosso foco seria por esses três caminhos. Por isso é tão importante o torcedor comprar a ideia de ser sócio, porque isso dá ao clube um fôlego respeitável para a gente conseguir fazer as coisas.
Lênin com o CEO Jorge Braga e o presidente Durcesio Mello - Vitor Silva/Botafogo
No ano passado, depois da paralisação, o Botafogo jogou com uma camisa escrita Vidas Negras Importam. Esse ano as camisas do clube em homenagem ao dia LGBTQIA+ foram à leilão e recentemente tinha a mensagem "Vacine-se", contra o Cruzeiro. Essas e outras ações afirmativas, que já aconteceram no Bahia e que você é um defensor, podem ser esperadas mais vezes pela torcida? É até uma forma alternativa de renda, não?
- Sem dúvida. Acho que tem duas coisas importantes. Uma é que todo assunto que a gente entender que o clube pode contribuir para uma discussão social, temos que colocar na mesa. Queremos trazer o próprio torcedor para o debate em algum momento. Organizar encontros com torcedores, sócios, não-sócios, grupos diferentes, para trazer esse debate sobre o que o Botafogo pode ou não fazer. Existe uma questão de credibilidade no mercado que essas ações também garantem muito. O Bahia acabou se notabilizando, porque praticamente fazia sozinho. O Vasco fez algumas campanhas, o Fortaleza também, mas o Bahia fazia com volume. Era muita ação, uma atrás da outra. Isso garantiu um protagonismo.
- Não estamos aqui pra competir quem faz mais ação, porque o objetivo não é esse. O objetivo é o resultado, o que aquilo vai trazer de benefício à sociedade e à discussão. Vamos fazer toda vez que entendermos que tem um tema que precisa ser abordado, como a gente fez agora com o "Vacine-se", como a equipe fez do "Amor é Amor" antes da minha chegada e temos coisas planejadas para frente como no Dia da Consciência Negra. Vamos fazer, de uma forma mais simbólica, em outubro por causa do Outubro Rosa. Sempre tem coisas que a gente tem que pontuar, que achamos importante, tirando questão política de lado, porque as pessoas confundem muito quando você vai fazer uma ação afirmativa com a questão política.
- Não é questão de lado. Quando você fala de racismo, não tem esquerda e direita. Racismo é crime e ponto, acabou. Assédio é crime, ponto. Temos que buscar alternativas que o clube, de alguma maneira, se posicione e traga para a torcida e sociedade essas temáticas que são de fundamental importância para a vida de todo mundo. Porque viver é um ato político.
No Bahia você chegou em setembro de 2013, quando o Fernando Schmidt assumiu depois daquela intervenção do Marcelo Guimarães Filho. Ali, começou um processo de profissionalização do clube. Quais semelhanças e diferenças enxerga daquele Bahia pro Botafogo?
- Daquela linha do tempo do Bahia eu diria que são três etapas. Vou fazer um paralelo para ficar bem claro. É como se você pegasse um terreno baldio e a gestão de Fernando Schmidt (2013-2014 para um mandato-tampão) capinou e fez a terraplanagem. Na gestão de Marcelo Sant'Anna (2014-2017) foi se plantando as coisas e na gestão de Guilherme Bellintani (2018-) colheu e vendeu. Hoje eu creio que o Botafogo vive a primeira e a segunda fase de maneira mista.
- Têm pequenas coisas que são muito semelhantes. Por exemplo: o Bahia tinha uma sede administrativa que ficava no edifício empresarial e era longe do CT dos jogadores e a primeira decisão foi centralizar tudo num único lugar para que os processos fossem mais rápidos e que economizasse para que não pagasse a despesa em dois lugares. Quando cheguei aqui me deparei com o Botafogo, que tomou a mesma decisão de trazer todo mundo para o Nilton Santos. Nessas pequenas coisas se assemelha muito.
- A segunda é construir essa credibilidade e nova imagem do mercado. Com a minha chegada funciona muito porque as empresas e agências me conhecem. Eles me ligam e dizem que vão levar o negócio. Isso ajuda muito a cortar o caminho. Temos feito desde pequenas parcerias até coisas maiores e que estão sendo construídas, mas que foi numa velocidade acima do normal. Vou completar três meses de Botafogo no dia 22 e nesses tempo crescemos muito na área de licenciamento, sócio, engajamento das redes sociais, trouxemos patrocinadores... Foi muita coisa em três meses que acho que é desse processo de luta contra o tempo que precisamos ter para ficarmos o mais organizado o mais rápido possível.
- Uma coisa diferente é que lá foi um processo de 30 anos amadurecendo a democratização do clube. O Botafogo vem de uma cultura paternalista em que seus antigos dirigentes ou personalidades sempre estiveram perto para poder socorrer. Isso virava uma muleta para o clube. Bateu o desespero? Chama o fulano para ajudar. Isso não criava musculatura para poder resolver com as próprias pernas. O que dizemos a essas pessoas que continuam ajudando é que não é para ser mais ajuda, é para ser negócio. Se quer trazer algo pra cá, beleza. Traz e vamos ver o que podemos entregar para que seja um negócio e que os dois lados ganhem. Essa mudança de cultura eu acho que é o principal.
Você já disse numa entrevista menos de um mês depois de chegar ao Botafogo que achava que seria pior do que encontrou. Tem algum caso que exemplifique isso?
- Tenho dois exemplos muito claros: é uma equipe bem estruturada. No Bahia a gente tinha menos braço. Na área comercial eu tinha que vender e cuidar depois de vendido. A camisa, a placa, era eu que tinha que resolver porque não tinha braço para isso. Aqui encontrei uma equipe que tem gente pra poder cuidar e garantir que as entregas vão ser feitas. Isso foi muito positivo. Quando você está numa escala que é de planejamento gerencial, se você gasta muito tempo com operação, esse tempo da operação consome tempo de planejamento. É muito difícil conciliar. E aqui encontrei um cenário muito bom nisso.
- Além de ter uma equipe qualificada, que também chamou minha atenção, é uma equipe jovem que o mais velho tem 30 anos. Mas todo mundo com muito tempo de clube. As pessoas cresceram dentro do Botafogo. Tem gente com 10 anos de clube, entrou como estagiário e está aqui. São fruto de outras gestões que não foram tão positivas e nunca tiveram a liberdade para poder aplicar o que pensavam ou seguiram diretrizes que imaginavam que deveriam ser outras. O meu perfil é muito de construção coletiva. Obviamente que a caneta no final acaba sendo minha, mas tem muita coisa que é mérito da equipe que conhece muito. Tanto do bastidor, das características da torcida... e tem tido liberdade para poder implementar.
Fonte: GE/Por Davi Barros – Rio de Janeiro
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