Formado em Educação Física pela UFMG, Enderson Moreira deu primeiros passos no futebol ainda na infância; ex-professor é responsável por oferecer primeira oportunidade ao técnico
Contrariando a linha do tempo de muitos treinadores do mercado brasileiro, a jornada profissional de Enderson Moreira no futebol não começou dentro das quadras e dos campos. Ele até passou pelas quatro linhas com talento na base, mas foi com os livros debaixo do braço que o atual comandante do Botafogo deu o pontapé na carreira. Esta é a história de um professor.
+ Enderson usou 33 atletas e repetiu time duas vezes
Técnico do Botafogo, Enderson Moreira é formado em Educação Física — Foto: Vitor Silva/Botafogo
Na década de 1990, Enderson foi aprovado no curso de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma das mais renomadas do país e referência a nível internacional. A paixão pelo futebol levou o mineiro de Belo Horizonte à beira dos gramados antes mesmo de pegar o diploma.
Sob orientação do professor Jurandy Guimarães Gama Filho, Enderson acompanhou o início do Projeto Esporte Universitário, o Proesp, uma iniciativa que surgiu em 1996 com a intenção de formar equipes universitárias para competir em campeonatos profissionais. O primeiro time, criado em parceria com o América-MG e o Sete de Setembro, foi campeão da segunda divisão do Campeonato Mineiro já em 1997.
- O Enderson participou em um determinado período como atleta, mas logo ele já se transformou em treinador. Ele foi muito bem dirigindo a equipe sub-17, passou para a equipe sub-20 e dali foi um pulinho pra ele sair. Foi dirigir o América nas categorias de base, foi pro Cruzeiro também na base, depois seguiu a carreira de uma forma extremamente brilhante. Pra gente é um orgulho muito grande ver o profissional em que ele se transformou - disse Jurandy em papo com o ge.
- Todos nós que trabalhamos em níveis de maior exigência nos baseamos no chá da competência, e o conhecimento é sempre um dos maiores pilares dessa competência. A UFMG sempre foi uma das maiores escolas de Educação Física do Brasil e do mundo, referência em níveis de pesquisa, extensão e ensino. A pessoa que estuda, que pesquisa e que procura se informar abre esse leque do conhecimento e está disposta a estudar e aceitar as evoluções tecnológicas que o mundo hoje impõe - completou o professor.
Enderson Moreira na seleção da escola de Educação Física da UFMG — Foto: Arquivo pessoal
E Enderson é um estudioso daqueles que acredita que conhecimento nunca é demais. A formação acadêmica abriu portas para o professor atuar também como preparador físico e auxiliar técnico. Os ensinamentos adquiridos em sala aliados à experiência de anos no futebol são trunfos para o trabalho, que agora é focado no acesso do Botafogo à Série A do Brasileirão. Os números do técnico apontam para uma lição de casa bem feita desde que chegou ao time alvinegro.
- Sou um treinador com uma essência formadora muito forte, tenho a questão do trabalho em equipe, não deixo nenhum jogador pra trás. Tenho algumas dificuldades quando trabalho em algumas equipes, porque não sou uma pessoa que dou privilégios a jogadores renomados, trato todos da mesma forma, valorizo cada um, sei que cada um tem seu percentual de contribuição na equipe, mas dou muita atenção praqueles também que jogam pouco, que tem pouca participação. Sou um treinador, um formador, um professor que valorizo muito o grupo - declarou Enderson ao ge.
Diego Loureiro foi o destaque do Botafogo no empate em 0 a 0 com o Cruzeiro (https://ge.globo.com/video/diego-loureiro-foi-o-destaque-do-botafogo-no-empate-em-0-a-0-com-o-cruzeiro-9947870.ghtml)
A universidade como ponte para o sonho
A história de Enderson como professor e treinador começa bem antes do ingresso na UFMG. Aos 12 anos, o mineiro montou o próprio time de futsal. Como não podia jogar, decidiu administrar. Depois veio o período como atleta no futsal e na base de clubes tradicionais de Belo Horizonte. Como jogador, também tinha vocação para comandar e pegar no pé dos companheiros.
- A essência de treinador na verdade veio comigo muito antes de eu imaginar qualquer coisa. Eu acompanhava um time de futsal na minha rua, mas eu era muito novinho pra poder participar com essa turma, e como não podia participar montei um time. Eu que fazia tudo, administrava, convidava os jogadores, marcava os jogos, arrumava uniforme - contou.
Cometa Futebol de Salão: o primeiro time de Enderson Moreira — Foto: Arquivo pessoal
- E me transformei num jogador muito chato pra jogar, porque tinha tanto amor por jogar futebol que eu cobrava dos meus companheiros essa mesma dedicação. Eu me matava dentro de quadra pra que o time ganhasse, fazia de tudo, porque queria muito vencer e às vezes tinha muito problema com os meus colegas, porque eles queriam brincar, jogar, e eu queria ganhar. Eu posicionava os jogadores, falava como ia ser, fazia jogadas - acrescentou Enderson.
Foi quando buscava o sonho de ser jogador profissional que Enderson se deparou com a figura que o inspirou a buscar o conhecimento para seguir carreira à beira do campo. No sub-15 do Venda Nova, ele foi treinado por Ricardo Drubscky, que acabou se tornando referência de técnico e professor para o comandante do Botafogo.
- Ali eu pensei: "se eu não for jogador, quero ser como ele". Ricardo era muito inteligente, sabia falar, sabia cobrar, sabia posicionar, sabia passar o conhecimento do futebol e isso era muito importante pra mim. Fui fazer Educação Física em função dele também, porque na época ele estava na escola de Educação Física. Acabei trabalhando como preparador físico dele, nós tivemos uma relação muito próxima no futebol, é como se fosse um pai pra mim no futebol. O Jurandy (professor na UFMG) foi muito importante também porque me deu a primeira oportunidade como treinador.
Enderson Moreira comandou o time infantil do Venda Nova — Foto: Arquivo pessoal
O Enderson professor
Como professor de educação física, Enderson deu aula durante alguns anos no Colégio Magnum Agostiniano, tradicional em Belo Horizonte. Nesse período, orientou os alunos em competições e conseguiu a segurança financeira para buscar a formação no futebol.
- Foi o que me deu a oportunidade de virar um treinador, porque até então quando você começava nas categorias de base você não recebia nada ou recebia muito pouco, e eu precisava manter a minha família. Então nesse colégio eu trabalhava quase todas as noites e algumas tardes com aulas de educação física. O volante Fred, que hoje é da seleção brasileira, foi meu atleta no colégio - lembrou.
Entre os ensinamentos que a universidade e a experiência como professor proporcionaram, a didática é um dos pontos fortes de Enderson. O treinador tem o prazer de ensinar e o objetivo de se fazer entendido.
- Muitas vezes o atleta não consegue aprender não é porque ele tem alguma limitação, mas é porque você não está conseguindo atingi-lo. O processo todo da formação como professor me possibilitou buscar outros caminhos. Eu não quero que o atleta faça dentro de campo aquilo que eu peço, quero que ele entenda a importância de fazer. Se ele entende essa importância ele vai conseguir executar com muito mais precisão, com muito mais interesse e ele começa a fazer parte de todo o processo, ele faz parte da construção desse conhecimento.
Enderson Moreira montou escolinha de futebol — Foto: Arquivo pessoal
Com uma carreira de anos no futebol e com o trabalho de sucesso que realiza no Botafogo, Enderson sonha além dos campos e do acesso à Série A nesse dia 15 de outubro. O professor quer que os colegas sejam reconhecidos e que a profissão seja valorizada no Brasil.
- Eu fico mais chateado como o professor de uma maneira geral é tão desvalorizado no nosso país. Ele ganha mal, ele trabalha muito, ele tem uma responsabilidade enorme, porque não é só a responsabilidade de passar conteúdo, é a responsabilidade de fazer com que os nossos filhos possam se relacionar em sociedade. São os primeiros passos pra que eles possam desenvolver essa que pra mim é uma grande qualidade do ser humano, saber se portar perante outras pessoas, saber respeitar as diferenças. A gente chegou num ponto que hoje ser professor é uma profissão extremamente desvalorizada no mercado.
- Eu tenho vários professores que foram tão importantes na minha vida e não vejo um reconhecimento com eles. A gente usa tanto o termo influenciador hoje, que particularmente não gosto muito, eu acho que as pessoas precisam não influenciar, mas inspirar acima de tudo. Fico triste quando alguns treinadores vão ainda pros cursos simplesmente pela licença, eu acho que é muito mais do que isso, é um momento ímpar que a gente tem de conversar, de trocar ideia, de crescer, de desenvolver, de mostrar o nosso trabalho - concluiu Enderson.
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Fonte: GE/Por Emanuelle Ribeiro e Rodrigo Cerqueira — Rio de Janeiro
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