É natural esperar que o treinador não promova uma revolução no líder do campeonato. Mas o futebol exige intervenções, e ele terá que fazê-las segundo seus conceitos, não os do antecessor
O empate do Botafogo em 1 a 1 com o Patronato no Nílton Santos foi um daqueles jogos em que o contexto parece pesar mais do que as questões técnicas e táticas. Conta-se nos dedos de uma das mãos os dias de trabalho de Bruno Lage no clube, boa parte do time titular foi poupado e o gol de Luís Henrique, logo no primeiro ataque alvinegro, criou uma vantagem confortável sob a chuva e o frio da noite do Engenho de Dentro. O Botafogo não jogou bem, cedeu muitas chances a um rival cheio de limitações, mas não chegou a ver a classificação na Sul-Americana em sério risco.
Melhores momentos: Botafogo 1 x 1 Patronato (CONMEBOL Sudamericana)
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Foi como se Lage tivesse uma noite para observar jogadores, 90 minutos úteis para um recém-chegado, que assume um time líder disparado do Campeonato Brasileiro e com um jeito de jogar muito ajustado. O Botafogo tem todos os prognósticos a seu favor, mesmo com a mudança de técnico, mas é impossível dizer que não há alguma dose de risco quando se perde o comandante, responsável pela construção da equipe. Há uma questão fundamental: neste momento, começa uma nova etapa na temporada, e a expectativa criada por um trabalho “pouco intervencionista”, que mantenha características do time, é que precisa ser moderada. Afinal, qual o limite da “pequena intervenção”?
Torcedores respondem: o Bruno Lage vai ser campeão com o Botafogo em 2023? (https://ge.globo.com/video/torcedores-respondem-o-bruno-lage-vai-ser-campeao-com-o-botafogo-em-2023-11796525.ghtml)
É evidente que, ao fazer suas escolhas, Bruno Lage pode fazer opções que modifiquem menos comportamentos táticos. No entanto, tal estilo de trabalho, que faça do modelo atual de jogo o protagonista, e não o novo treinador, tem limites que o futebol impõe. Não é possível confundir “pouca intervenção” com a “não intervenção”, porque o jogo não permite isso a qualquer treinador, por mais longa que seja sua permanência no cargo. Mesmo se Luís Castro permanecesse, o Botafogo da 12ª rodada do Brasileiro não seria o mesmo da 38ª rodada, porque o futebol impõe novos desafios e times precisam apresentar novas respostas. Não é possível, nem justo, esperar que Bruno Lage vá chegar apenas para reproduzir todos os comportamentos do time que lidera o Brasileirão com 12 pontos de vantagem. Porque é justamente esta campanha brilhante um dos fatores que exigirão mudanças, o que é diferente de promover uma revolução.
Bruno Lage em Botafogo x Patronato pela Sul-Americana — Foto: André Durão / Globo
O futebol impõe a um treinador tomar decisões o tempo todo. Primeiro, porque cada adversário exige adaptações no modelo de jogo e nas estratégias de um time. Depois, porque o jogo é um permanente exercício de ação e reação. O Botafogo será cada vez mais observado, estudado, dissecado. Rivais irão impor novos desafios. E caberá ao time encontrar as soluções, o que por vezes passará por adaptações no jogo alvinegro. E cada uma destas soluções, Lage só poderá buscar com o seu ideário de futebol, não com o de Luís Castro. A cada semana, terá que preparar uma partida, pensar nos 11 titulares e em como enfrentar cada rival. E o fará segundo seus conceitos.
(https://onefootball.com/en/video/gatito-comemora-retorno-e-classificacao-do-botafogo-veja-37881341?utm_campaign=NativeShare&utm_medium=website&utm_source=OneFootball_CW)
Estes até podem ser próximos do que pensava o antecessor. Mas se é difícil achar treinadores idênticos, mais ainda é encontrar pessoas iguais. Aí entram as relações humanas, vitais na construção de uma equipe. São seres humanos que compõem um grupo de trabalho. E por mais que o Botafogo tenha sido muito competente em estabelecer o seu próprio funcionamento como clube, os seus processos, pessoas diferentes estabelecem relações, empatias e vínculos emocionais diferentes. O modelo de jogo é importante, mas o modelo de trabalho impacta o dia a dia, assim como a forma de conviver, de se relacionar com cada jogador. O que não significa que Lage vá se relacionar pior ou melhor. Ocorre, apenas, que cada pessoa é diferente.
Nada disso significa que o Botafogo está condenado a perder a liderança. Ao contrário, é o favorito a ser campeão brasileiro por vários fatores: porque joga bem em muitas partidas, porque soube sobreviver em tantas outras em que não conseguiu se impor, e porque não há, na fotografia atual do campeonato, qualquer competidor que seja uma ameaça realista. Nenhum time, mesmo os mais endinheirados, exibiu com regularidade um nível de jogo alto o bastante para engatar a sequência de vitórias necessária para perseguir o Botafogo. Hoje, não há adversários.
O fundamental é que Bruno Lage não poderá ser acusado a cada vez que intervir e, eventualmente, não tiver resultados. Porque esta é uma exigência da função dele e, em última análise, uma exigência do futebol.
Por Carlos Eduardo Mansur
Jornalista. No futebol, beleza é fundamental/ge
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