Carlos Augusto Montenegro conversa no escritório que tem em sua casa, na Zona Sul do Rio — Foto: Fred Gomes
Esse grupo de trabalho do qual o senhor faz parte é formado pelos investidores ou por pessoas que planejam a Botafogo S/A? O FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) será formado só por pessoas físicas ou apenas por jurídicas? Ou pode-se ter as duas categorias?
Exatamente isso que vai ser uma pergunta que o Conselho vai fazer, e a gente não sabe responder. Estamos contratando auditoria, formatação, já estamos traduzindo tudo para o inglês a fim de apresentar para os investidores.
Tem uma pessoa liderando o processo, isso vai ser submetido à CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Esses passos todos estão programados e vão ser dados.
A pergunta que mais ouço é: "Presidente, eu queria investir, seja com R$ 100, R$ 1.000 ou R$ 100.000". Eu acho isso lindo, é uma coisa de botafoguense, de gente querendo ajudar e participar.
Qual é o valor mínimo (cota por investidor)? Não sei. Se a CVM amanhã decidir que o valor mínimo de uma cota será de R$ 5 milhões, essas pessoas que querem investir R$ 100 ou R$ 1.000 não vão ter como, coitadas. Vai ser uma decisão da CVM.
A não ser que junte uma porção de pessoas e consiga entrar com uma cota. Mas eu sinceramente não entendo de mercado financeiro, de CVM, de Cedic e do que se pode fazer. Você tem obrigações. Se você não cumprir, é punido.
É justamente essa pergunta que você fez e que acho que vão fazer no Conselho que a gente não tem a menor ideia de como responder. Hoje.
Tem um do nosso grupo que está mais dedicado a viajar para conversar com alguns fundos, o próprio Ricardo Rotenberg está viajando para falar com outros. Mas tem uma pessoa que está formatando essas coisas para preparar para a CVM.
Até conversei com o Nelson (Muffarej, presidente). Era hora do pessoal do clube fazer dever de casa, montar orçamento do clube sem o futebol a partir do ano que vem.
"Não dá pra ter escolinha de natação? Não tem escolinha. Não dá pra ter vôlei, então não terá vôlei. Não dá pra ter três porteiros, então deixa só um. Como toda a empresa... Tem que ter receita e despesa. Não pode o negócio futebol ficar financiando o cloro da piscina, não existe isso".
"Como se faz isso? Não sei. Mas o Athlético-PR fez. Então dá pra fazer. Se ficar pensando na tradição, vamos continuar sucumbindo, vivendo de passado e cada vez mais fraco. Ou você resolve, é uma decisão séria, para sobreviver e tentar disputar com dignidade, ou fica como está".
Mas tem outra alternativa? Não tem, já ficou provado. Sem alguém não estiver satisfeito com a ideia, que dê outra solução. Agora ficar falando sem trazer proposta nenhuma, não tem nada a ver.
Montamos um grupo de 10 pessoas, têm advogados, gente preparada de tudo quanto é lado. O presidente Nelson Mufarrej, o vice Carlos Eduardo Pereira, o Novis (vice de finanças), estão participando desse grupo. Mas procuramos separar um pouco para deixar os outros vices tocando o dia a dia do clube, e essas pessoas focarem apenas no projeto.
Tenho que fazer um elogio grande ao Claudio Good (grande benemérito), ao Paulo Mendes (VP de Relações Institucionais), ao Manoel Renha (Diretor de Futebol da Base) e principalmente ao Ricardo Rotenberg (VP comercial de marketing), que junto comigo estão noite e dia focados só nisso.
Ricardo está igual um doido visitando vários fundos e deixando tudo preparado para apresentarmos o formato, o orçamento da empresa, a parte jurídica. Rotemberg tem sido um leão nisso, ao mesmo tempo em que busca patrocínios para o clube sobreviver até o fim do ano. Nosso foco é chegar até dezembro. Estamos sem recursos. Temos que sobreviver até lá.
Mas sem medo de rebaixamento, estamos buscando a Libertadores. E a cada posição que você termina na frente da tabela, mais dinheiro a TV paga. Pode facilitar a implantação da nova empresa ano que vem. Muita gente fala que quer ajudar, que investir. Masa ainda não é a hora. Estamos formatando, ainda vai passar pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), pegar autorização, criar o fundo, FIDC (Fundo de investimento em direitos creditórios), tem regras, aportes mínimos.
No escritório de Montenegro, não faltam imagens e itens alusivos ao Botafogo — Foto: Fred Gomes
"Até o final de outubro vamos estar preparados"
"Até o final de outubro vamos estar preparados. A ideia não é só pagar a dívida, mas que também seja algo lucrativo. Ai falam que alguém vai botar sei lá quantos milhões e pagar a dívida... Não é assim".
Muitos torcedores acham que os irmãos Moreira Salles vão assumir, ligar para o Messi, e montar um timaço logo de cara...
Nem eu quero isso como doação, porque não vai resolver nosso problema. Eles podem até entrar depois no fundo se quiserem como cotistas. Mas o que eles já fizeram pelo Botafogo, o que emprestaram de dinheiro, o que doaram, e principalmente com o CT, já está bom demais. João e Walter foram fantásticos. Se eles entenderem que é interessante para eles mais adiante, claro que serão bem-vindos. Mas não podemos fazer nada baseado em pessoas.
"Eu pretendo investir. É mistura de amor, de ter a honra de participar e quem sabe no futuro meus filhos ou netos tenham algum retorno desse investimento. É tudo delicado. Estão discutindo a questão tributária, querem virar empresa mas continuar pagando pouco imposto".
O clube tem um papel social que o governo não faz, que é de tirar gente da rua. Talvez tenha que ter incentivos por isso, mas todo mundo com finalidade de lucro. Está na hora de falar sério nisso. O Governo pode ajudar reconhecendo o papel do clube. Quanto menos interferência melhor.
Quais são os próximos passos para a criação da Botafogo S/A? Há uma reunião no Conselho Deliberativo na próxima terça-feira para exposição do projeto, certo?Vai ter uma reunião terça-feira, e não vai ser apresentado nada (risos). Uma reunião que foi mal convocada. É o nervosismo e a ansiedade. O presidente do Conselho Deliberativo (Edson Alves Junior), que adora basquete, adora vôlei e vive num mundo à parte, muito pressionado pelos conselheiros, convocou uma reunião.
A gente não tem nada para falar porque não está pronto. Se tivesse alguma coisa para falar, eu falaria para vocês, porque vocês nos ajudariam a angariar investidores e etc. Ainda não está pronto.
Vamos falar exatamente o que estou falando para vocês. Vamos fazer um fundo, o FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), depois vamos fazer a empresa. Agora a gente tá começando a trabalhar junto com essa lei (de transformar os clubes em empresa) que querem votar em outubro.
Estamos adaptando, já temos vários fundos contactados, mas tudo com N.D.A (Acordo de Não Divulgação) assinado, tudo com termo de confidencialidade. Não se pode falar ainda. "Não, mas vamos fazer uma reunião no Conselho". Faz. A gente vai ficar brincando de falar coisas. Vai falar o quê?
Quando vocês tiverem tudo definido sobre a SPE (Sociedade de Propósito Específico), aí sim farão uma nova reunião com mais respostas, certo?Vamos ter que fazer com o Conselho. E mais do que isso com a Assembleia Geral. Convocar todos os sócios, que são os que votam, e apresentar. Pode acontecer de o Conselho não aceitar, o que não acredito, e a Assembleia aceitar. Como se fosse uma eleição de presidente.
Como convencer pessoas que não são botafoguenses a investir nisso? É possível que se tenha lucro mesmo com o Botafogo na atual situação?O Brasil, ao contrário da Europa, com esse negócio de não poder ter gente de fora. Ter limite de coisas... Clube de futebol depende de Conselho Deliberativo, de regras, e todos os investidores estrangeiros sempre fugiram disso. Não quero saber disso, é muito confuso.
"O time perde, e eles mandam embora o técnico. O técnico fazia um bom trabalho, aqui na Europa ele ia ficar mais um ano. Então esse pessoal é maluco, não sabe administrar". Isso é o que o estrangeiro.
Na Europa, você chega num clube e pergunta: "Quanto custa o clube?. São 250 milhões de euros? Bum, tá aqui, tchau. Vai embora todo mundo". Você é o dono do clube.
Aí você bota o seu CEO, o seu financeiro, o seu comercial, o seu diretor de futebol, competições e etc. Acabou. O cara é dono de tudo. Comprou. A gente está tentando fazer um formato desse tipo aqui no futebol. Pode ser um cara só que chegue com 250 milhões de euros, por exemplo.
Muita gente me pergunta. E se aparecer muita gente e chegamos aos 400 milhões de euros? O projeto que você fez para 30 anos vai ser feito em dois anos e meio. Já vai começar a distribuir, quitar tudo e reembolsar os investidores.
"Esse pessoal tem que ter a segurança e a garantia que ele manda ao estar entrando. Se forem botafoguenses, ótimo. Senão, vai ser profissionais. O mais importante nesse projeto é dar segurança aos investidores de que eles realmente vão mandar".
"Todo mundo fala: 'Eu quero profissionalismo, não quero mais amador'. Será que só existem profissionais botafoguenses no mundo? Os caras vão botar os profissionais em que eles confiam. Se não estiverem indo bem, manda embora. São cobrados, têm metas".
Os irmãos Moreira Salles não estão na liderança desse projeto. Apenas formataram a ideia, certo?Se vocês repararem bem, eles saíram da mídia, nunca mais ninguém falou neles. Por quê? Porque eles não querem aparecer, porque eles acham que já cumpriram o papel deles, e eu também acho.
Montenegro insiste no pedido para que os Moreira Salles finalizem o CT
Eles estão torcendo pelo projeto que eles pagaram. Se através de vocês eu puder pedir alguma coisa aos irmãos Moreira Salles, peço de uma forma sincera e até emocionada que eles, pelo amor de Deus, terminem o mais breve possível o centro de treinamento do Botafogo.
A gente precisa muito disso aí para que todos estejam lá no ano que vem. Até para que possamos devolver o Caio Martins. Isso até denigre a imagem, porque usamos o Caio Martins como um gatilho. As pessoas falam que o vestiário está ruim ou que o teto está sem pintura.A gente não tem interesse naquilo, nos serve de forma transitória. A gente precisa começar logo num negócio novo.
"O Botafogo tem que ter os profissionais todos no Engenhão, inclusive a parte administrativa, a parte financeira e a comercial. Toda no Engenhão, que é enorme. E o futebol amador lá no Espaço Lonier, e às vezes com o futebol profissional indo lá, e o amador vindo cá".
CT do Botafogo, no Espaço Lonier, ainda está longe da conclusão — Foto: Divulgação / Botafogo
O futebol do Botafogo só precisa dessas duas coisas. Do Nilton Santos e as pessoas da base no CT. Mais nada. Não precisa de Marechal Hermes nem Caio Martins. De nada.
Em que pé está a conclusão do CT? A impressão que temos é de que o dinheiro dos irmãos Moreira Salles serviu para comprar o espaço, mas que ainda falta verba para colocá-lo de pé.
O formato inicial era o seguinte: João e Walter (Moreira Salles) comprariam o espaço. Compraram. Demorou um tempo, porque eles queriam tudo legalizado. Depois fariam uma obra onde entrariam com uma parte do dinheiro, e o Botafogo entraria com outra.
Existiu aquela tragédia no Ninho do Urubu, eles ficaram preocupados com isso e ao mesmo tempo desconfortáveis com essa pressão toda em cima deles pelo projeto do clube-empresa. Então eles recuaram.
Nesse novo formato, eles já sentiram que o Botafogo não tem um centavo para fazer nada. Então estão se predispondo a entrar e fazer tudo. Até por decisão do João, foi o que me falaram, fazer uma coisa mais moderna e eficaz para não ter nenhum problema. Eles cuidariam da administração, e o Botafogo, da parte esportiva.
Ficaria tudo no nome deles, e eles passariam tudo ao Botafogo no dia em que achassem interessante. Como viajei, não me atualizei disso. Mas depois saberei qual será o ritmo e o que pretendem fazer para terminar isso. Sei que vai ter que mudar um pouco o que foi vendido no Conselho.
Tem muito botafoguense pensando que o Botafogo vai virar o Real Madrid em janeiro. O fundo quitará as dívidas trabalhistas e tornar o Botafogo sustentável. Já pensam na montagem de um time que possa pensar em Copa do Brasil e brigar por G-4?Não. Eu acho o seguinte: esse pessoal que vai comprar é quem vai decidir. A ideia é zerar algumas dívidas a curto prazo, quitar alguns adiantamentos que foram dados e colocar uns R$ 20, R$ 30 milhões de capital de giro para não ter problema de pagamento.
Essa é a ideia. A minha participação, se Deus quiser, acaba em novembro e dezembro. Aí eu vou para a arquibancada. Talvez acabe eu pagando a conta da Cedae de novembro, mas tem que acabar. Ninguém aguenta mais a forma doida, atabalhoada, angustiante e amadora de hoje.
Você está começando a fortalecer um time a partir do momento em que você só se dedique ao futebol. Todos estão trabalhando muito por patrocínio. O pessoal da Arena do Palmeiras, a W Torre, tá interessada em entrar. Faz parte do projeto? Não. Mas vão entrar. Os caras querem fazer shows, isso e aquilo, e tornar rentável o Nilton Santos.
Toda a ideia de receita do futebol, como sócio-torcedor, venda de jogadores da base, contratações de atletas, shows, naming rights e patrocínio master, é da empresa do futebol. E as despesas também.
E a ideia é essa empresa nova pagar royalties que seriam para o "Botafogo que fica" (De Futebol e Regatas, sem fins lucrativos) pagar as dívidas. Por isso que o "Botafogo que fica" tem que fazer o dever de casa para saber com o que ele fica. Esse dinheiro, ele não vai poder usar, é para pagar dívida. É para pagar Ato Trabalhista, rescisão, impostos, despesas na área cível, fornecedores para os quais você esteja devendo.
Dos fornecedores novos, por exemplo, você vai ter o cara que cuida do gramado. O cara que cuida do gramado pode ser o mesmo, mas a partir do dia X ele vai receber em dia da empresa nova e vai negociar pelo Botafogo a dívida dele com a empresa nova que vai pagar através do Botafogo.
Se o "Botafogo que fica" começar a ter despesas sem ter receita, ele vai ter problema e não vai haver ninguém para ajudar. O compromisso é com o que aconteceu até 30 de dezembro, por exemplo.
Se o "Botafogo que fica" for administrado de uma maneira que não se torne viável, é possível que o Botafogo de Futebol e Regatas não exista mais e fique só o Botafogo empresa?Teoricamente sim, poderia. Você está com uma empresa nova, vai ter que continuar pagando a dívida. A legislação nova faz coisas de modo que você nem precise separar, mas a gente acredita que sem separação não vem ninguém de fora.
O que já discutem de 2020 sobre aproveitamento de pessoas que lá já estão? Casos do Anderson Barros e do Barroca, que têm segurado um rojão, por exemplo?
"Nunca tinha convivido com Anderson Barros, estou convivendo com ele há um ano e meio. Há muito tempo não vejo um profissional tão competente, tão correto e transparente. Os jogadores o adoram, é uma pessoa muito pragmática, muito trabalhadora".
Acho que uma das razões de o Botafogo estar de pé é ele. Óbvio que na torcida tem parte que gosta e que não gosta. Óbvio que a torcida reclama de contratações, isso vai ter sempre. Mas o Anderson Barros tem feito um belo trabalho.
"E o nosso Barroca também. É elenco, mas vocês têm que analisar o custo. O Botafogo tem o pé no chão. Ele sabe até onde pode ir dentro das dificuldades dele".
Montenegro é favorável às permanências de Anderson Barros (ao fundo) e Eduardo Barroca — Foto: Marcos Ribolli/GloboEsporte.com
Se perde dois jogos, você fala em contratar o Dorival, o Mano Menezes? Para fazer testes não adianta. Se perguntarem para mim, você ficaria com eles ou não? Eu ficaria, porque são profissionais sérios.
Têm muitos jogadores em final de contrato. Se você me perguntar se precisa de reformulação, temos que pensar de acordo com a nossa perna. Vai ter mais verba? Vamos ter isso no orçamento? Então vamos pensar em fortalecer o time.
"A gente até estava com time arrumadinho e só perdeu gente. Erik tava muito bem e foi embora. Biro Biro estava arrebentando nos treinos e teve problema no coração. A gente não tá dando sorte também. E não está repondo. A gente precisaria de reforços para o ataque, precisaria, mas não tem condição. Vamos esperar o ano que vem".
Para esboçarmos como será essa manutenção ou contratação de pessoal para o ano que vem, vamos fazer um beabá. Serão criados fundos de investimento e uma empresa...
Não, já há fundos que existem, mas você terá um fundo master, o que a gente chama de FIDC.
Mas quem vai definir quem é o dono e qual será a equipe que vai comandar o futebol?O que tiver mais ações. Você pode ter um fundo que entra com 20 milhões de euros, outro com 30 milhões, mas entra um com 80 milhões de euros. Esse cara que vai mandar.
Se mais adiante, João e Walter quiserem entrar com alguma coisa na frente, vão entrar. Eles têm pessoas de confiança na vida deles e que gostam do modo de trabalhar. Gostam do Manoel Renha, do Paulo Mendes, têm várias pessoas da área financeira em quem eles confiam.
Podem indicar pessoas ou não. Se a CVM permitir, junto a esses fundos, você pode ter pessoas físicas.
O que pode acontecer para esse projeto tão promissor não se concretizar? Há alguma resistência?
"Zero, até hoje não soube de ninguém contra. O que pode acontecer é de não encontrar os investidores".
Há avanços significativos nesse sentido de captar investidores?Pelo feedback que a gente tem recebido, sim.
E o novo CNPJ seria obtido até dezembro?"CNPJ você faz em 15 minutos, a gente precisa de grana. De gente querendo investir".
A ideia é até final de outubro você montar um sumário de coisas mostrando como é e pegando os OKs da empresas para o fundo. Dia X marca, deposita-se no fundo, e o fundo começa a jogar na SPE. Em outubro, começa a viajar e mostrar às empresas.
Aí você tem que viajar ou esperar que muitos fundos venham aqui. Podemos ter fundos do Brasil também. Até o final de outubro temos que estar com o formato pronto para começar a angariar.
Fonte: GE/Por Edgard Maciel de Sá, Edson Viana e Fred Gomes — Rio de Janeiro