Prestes a liderar sozinho a lista de estrangeiros que mais vestiram a camisa do Botafogo, Joel Carli dá o passo definitivo para ficar marcado na história do clube. O capitán relembra a trajetória ao ge
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"Vou ser o cara mais feliz do mundo". Essas são as palavras de Carli ao projetar a chance de ser eternizado no Muro dos Ídolos da torcida do Botafogo. O capitán pode não saber, mas o sonho está perto de virar realidade. Prestes e se tornar o estrangeiro com mais jogos pelo clube, o argentino dá o passo definitivo para ficar marcado na história alvinegra.
Torcida e clube preparam homenagens para a marca de 181 jogos. A mais representativa delas, vinda dos alvinegros, será o rosto estampado no muro em frente à sede de General Severiano. Carli será o 40º atleta a receber a honraria. Antes disso, ele conversou com o ge para fazer um balanço dos seis anos quase ininterruptos vestindo a camisa preta e branca.
- Fico muito feliz quando o torcedor fala isso, quando o torcedor me agradece na rua... E eu respondo: "cara, você não tem que me agradecer, faço isso porque eu amo esse clube, porque sou profissional e eu vou dar sempre a vida". E se o torcedor tem essa forma de agradecer, de botar no muro o meu rosto, vou ser o cara mais feliz do mundo - disse.
A homenagem virá apenas na semana que vem, quando Carli baterá o recorde que era do também argentino Rodolfo "Lobo" Fischer. Até lá, o ge usou recursos eletrônicos para imaginar como o capitán ficaria no muro. Cheio de ansiedade, ele mesmo avisou com que cara pretende ser eternizado.
- Eu sou um cara muito sério, né? Dentro de campo tenho essa imagem. Já fora de campo sou um cara mais tranquilo, tímido, mais de grupo. Mas eu quero uma imagem bem séria minha que é a que representa o torcedor - brincou.
Momentos marcantes de Carli, o argentino de 180 jogos pelo Botafogo (https://ge.globo.com/video/relembre-momentos-importantes-do-xerife-joel-carli-nos-180-jogos-pelo-botafogo-10381526.ghtml)
O zagueiro foi contratado pelo Botafogo para a temporada de 2016. A torcida pode não saber (ou lembrar) do noticiário da época, mas a chegada do argentino teve um quê de sorte. Na época, o clube tinha cinco opções para reforçar a posição, e o favorito era outro argentino, Jonathan Schunke, do Estudiantes. A diretoria chegou a avançar na negociação, mas foi impedida pelos problemas financeiros de sempre. Aos 29 anos, Carli apareceu como aposta mais barata.
A aposta virou certeza, que evoluiu para idolatria. Ao olhar para trás, nem clube e nem jogador poderiam imaginar a relação profunda que teve início naquele momento. O jogador virou capitão logo no primeiro ano, ganhou a simpatia das arquibancadas e o respeito dos companheiros de trabalho.
- Realmente, quando eu cheguei ao clube, cheguei com um contrato por dois anos, com uma certa dificuldade, até normal, para a adaptação a outro país. Outro futebol, outro clima, outros costumes, mas tudo foi se tornando de forma natural. Aos poucos, devagar. A partir de que fui tendo sequência de jogos e tudo mais, eu vi que esse sonho podia se tornar realidade.
Nessa entrevista exclusiva ao ge, Carli olhou 180 vezes para trás. Da desconfiança inicial à admiração. Dos momentos felizes, dos títulos, até as lembranças ruins, como a dispensa traumática em 2020. Mágoa que o argentino quase brasileiro superou para continuar na cidade e no clube que adotou como casa.
Carli recebeu a equipe do ge no estádio Nilton Santos - Thayuan Leiras/ge
CAPITÃO E ÍDOLO
ge: Estrangeiro com mais jogos pelo Botafogo. Qual é o significado dessa marca?
Carli: Quando eu cheguei ao clube, parecia muito longe, parecia uma marca impossível. Comecei a ver que eram os primeiros 3 estrangeiros que tinham esse recorde e fui batendo metas e objetivos pessoais que depois se tornaram um só. E hoje estar em igualdade com o Lobo Fischer, compatriota, é realmente uma marca que eu sonhei e estou muito feliz em ter atingido.
Quando percebeu que seria possível chegar lá?
Quando eu bati nos 100 jogos, eu falei: "Opa, acho pode ser possível". Só que depois saiu essa saída inesperada e esse sonho se derrubou um pouco.
Você virou capitão logo no primeiro ano. Não é comum, ainda mais para um estrangeiro. Lembra desse início?
Alternava muito entre Jefferson e Renan Fonseca. Só que Jefferson machucou, eu acabei ganhando essa vaga no time principal e Antonio Lopes, com Jair (Ventura), com Ricardo (Gomes), o professor, eles me passaram essa confiança de que eu poderia ser o capitão do time. Foi um orgulho, porque eu tinha pouco tempo de clube. Mas eu sempre mostrei muito profissionalismo e muito carinho. Então, acho que foi por isso que eles tomaram essa decisão de me dar a braçadeira.
Não é uma tarefa fácil. Eu carrego com muito orgulho, sim. Não é fácil porque o clube até um tempo atrás estava mal na parte financeira. E o capitão tem que lidar muito com essa questão de salários atrasados não são só dos atletas, mas também para funcionários. Precisa conversar muito, tentar resolver as situações. Não é fácil, mas eu gosto dessa responsabilidade, é prazeroso.
Carli é capitão do Botafogo desde 2016 - Vitor Silva/Botafogo
A chegada do Textor deixa a vida do capitão mais fácil?
Não sei se mais fácil, mas eu acho que a parte econômica vai ser diferente. Está todo mundo com essa expectativa: torcedor, nós, atletas, funcionários, de como que vai funcionar tudo. E estamos nessa transição sabendo que vai ser o melhor para o clube.
Além de capitão, você foi referência para alguns garotos que evoluíram ao seu lado. Emerson Santos, Igor Rabello, Gabriel, Marcelo Benevenuto, Kanu... Se sente um pouco responsável por eles?
Eu me sinto muito responsável pelo dia a dia. Depois, o sucesso do atleta eu acho que tem muito mérito do atleta mesmo. Eu gosto de ajudar, eu gosto de orientar, eu fico muito feliz quando um companheiro vai bem, quando um companheiro tem sucesso em sua carreira. E eu faço de tudo para isso acontecer e eu faço de coração porque quando um companheiro de zaga triunfa no clube ou fora do clube, eu fico muito feliz.
Quer falar qual dupla mais te marcou?
Que pergunta... Aí vai me colocar num problema (risos). Eu acho que com todos eles. Com Rabelo foi uma dupla ótima. Com Kanu, é um menino que eu gosto muito, torço muito pelo sucesso dele e a gente encaixou bem. Com Gabriel, nem se fala, um cara espetacular que virou meu amigo e também fez muito sucesso. Com todos eles eu me dou muito bem e fico amigo.
Esse papel de liderança também tem outro lado. Você já levou muitos cartões, mais de 70 só pelo Botafogo. E quase um terço deles por reclamação...
Que estatística... Eu trabalho muito para melhorar. Só que eu sou assim, sou um cara muito emocional. Quando vejo alguma coisa injusta eu cobro e até demais, muito com a arbitragem. Então eu acho que aí está esse excesso que a arbitragem bota limite com um cartão. Tem vezes que está certo, tem vezes que eu acho que está errado, mas eles são os que botam aí esse limite.
https://ge.globo.com/video/veja-os-10-gols-do-zagueiro-argentino-joel-carli-com-a-camisa-do-botafogo-10382315.ghtml
MÁGOA QUE FICOU
Ninguém esconde que a saída em 2020 foi traumática. Como você lida com isso? São águas passadas?
Mágoas sempre ficam, né, quando você leva uma surpresa assim, como foi que se deu. Não posso esconder que não fica essa tristeza. Porque também não fui só eu que sofri, sofreu toda uma família por trás. Mas eu gosto de deixar o tempo para trás. Se aconteceu isso era porque era o que tinha que acontecer. E eu fico muito mais feliz com meu retorno e por como foi do que pelo que aconteceu no passado.
Sua família sofreu junto?
Porque minha família é muito botafoguense. Meus filhos são muito torcedores, eles estão muito adaptados ao Rio de Janeiro, que sempre nos acolheu. No futebol se passa por essas mudanças inesperadas e não é só um atleta quem tem que mudar, é toda uma família por trás. E eu fiquei muito triste. E o que acontece comigo reflete em toda a família.
Como foi o processo para deixar isso para trás e voltar ao clube?
O processo não foi fácil. Quando eu fiquei sabendo que já não pertencia mais ao clube, comecei a treinar sozinho, fiquei dois meses treinando sozinho, que para um atleta que está acostumado a trabalhar com um grupo é muito difícil. Depois, surgiu a oportunidade de voltar ao time da minha cidade, que me abriria as portas, só que eu não consegui desconectar do que acontecia no Botafogo. Tanto que eu continuava assistindo aos jogos e até sofria por como foi esse ano pro clube.
Surgiu a oportunidade de voltar. Durcesio, Freeland começaram a falar comigo e com meu empresário, Alexandre (Braz), ele sempre fez de tudo para eu voltar ao clube. Eu não duvidei nem um minuto, porque era uma coisa que eu queria muito. Eu sabia que poderia ajudar muito nesse processo da Série B e assim foi que tomei a decisão de voltar sem duvidar nem por um minuto.
O problema era maior do que a questão da dívida?
A dívida era muito grande porque tinha um contrato a cumprir, tinha mais um ano e meio, e tinha salários atrasados. E quando eu fui demitido do clube eles não deram oportunidade nem de conversar. Então foi uma coisa que pegou de surpresa, tive que fazer um processo contra o clube. Eu não tinha opção. Sou profissional, eu tinha trabalhado com muita dedicação, com muito amor, e eles não me deixaram outra opção.
Mas quando surgiu essa nova conversa com Freeland e com Durcesio, eu falei: "a dívida fica para trás, vamos conversar". E o que fosse conveniente para o clube e para mim, vamos para frente.
ARGENTINO CARIOCA
Você disse que sua família sofreu junto. Eles desenvolveram essa ligação?
Sim. O Valentín é doente, doente, doente. Botafoguense doente. Já passei muita coisa com ele, do lado torcedor dele. Mas ele é assim e eu ficou muito feliz de ter criado esse botafoguense tão apaixonado.
Por exemplo?
Ele é torcedor de arquibancada mesmo. Os próprios torcedores ficam impressionados de como ele reage diante de alguma situação. Depois, situações na rua, de que se encontrou com torcedor de outro time e ele brincar, xingar. Eu falo "calma, Valentín, é só um esporte, tem que ir devagar". Ele é muito emocionado também.
Ele é torcedor de arquibancada mesmo. Os próprios torcedores ficam impressionados de como ele reage diante de alguma situação. Depois, situações na rua, de que se encontrou com torcedor de outro time e ele brincar, xingar. Eu falo "calma, Valentín, é só um esporte, tem que ir devagar". Ele é muito emocionado também.
Carli com o filho, Valentín - Vitor Silva/Botafogo
Você começou o processo de cidadania brasileira, certo?
Comecei, sim. Meus filhos já se tornaram cidadãos brasileiros. Por terem entrado no Brasil com certa idade, foi um processo mais rápido e mais fácil. E a partir do momento que eles se tornaram cidadãos brasileiros, eu e minha esposa começamos um trâmite. Agora vai depender do tempo de processo.
É uma coisa sua ou tem a ver com liberar uma vaga para estrangeiro?
Está um pouco relacionado. Quando eu fiz para os meus filhos, foi no ano passado. Depois que eles se tornaram cidadãos brasileiros, falei para minha esposa que estava na nossa hora. E, consequentemente, estou ajudando o clube para liberar uma vaga.
De qualquer jeito, já é brasileiro de coração...
Sou um carioca, carioca mesmo (risos).
SONHOS FUTUROS
O novo Botafogo na Série A: qual é a expectativa?
Eu tenho uma expectativa boa de que vai se tornar uma grande equipe. Com a esperança e a expectativa de tentar brigar por u
ma vaga em uma competição internacional para 2023. E a partir daí começar a pensar grande. Ainda estamos em processo de transição e os passos têm que ser dados aos poucos, devagar.
Expectativa para curto prazo. O que espera para as semifinais do Carioca?
Acho que com qualquer dos dois rivais vai ser um jogo difícil. Eu acho que eles ainda estão na vantagem por ter um time, um elenco um pouco mais completo do que o nosso, o nosso ainda está em uma transição. Mas vai ser uma disputa por ocupar essa vaga na final.
Quando passar a carreira de jogador, quer virar técnico?
É isso, eu estou me preparando. Estou fazendo a carreira de treinador. Ainda não estou 100% decidido se vai ser o que eu quero pro meu futuro. Mas eu gosto muito, eu acho que tenho uma certa característica e capacidade para exercer. É um desafio que quem sabe mais na frente eu possa exercer.
Essa segunda etapa da carreira já tem data para começar?
Não sei. Primeiro quero desfrutar do que fica como atleta, até porque ainda me sinto muito bem. Quando eu decidir terminar a minha carreira como jogador, pensarei em ser treinador.
Já se vê também como treinador do Botafogo?
Claro, sou botafoguense... Sempre que tiver essa porta aberta aqui eu vou trabalhar e dar o meu melhor para ficar no clube.
Fonte: GE/Por Bernardo Serrado, Davi Barros, Debora Gares e Thayuan Leiras – Rio de Janeiro
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