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sábado, 25 de junho de 2022

Luís Castro quer fazer revolução no Botafogo: "Esperam resultado e não foi só para isso que eu vim"


Em entrevista exclusiva, técnico abriu o coração: se emocionou ao falar de amigos envolvidos na Guerra da Ucrânia, citou próximos passos do time e afirmou que não tem muito contato com Textor



Com três meses de Botafogo, Luís Castro pode dizer que viveu, em um curto período, um intensivo das experiências em que treinadores mergulham quando comandam times no futebol brasileiro. Vitória épica e derrota apática. Aprovação e contestação. Invasão de CT. Esquema que funcionou, que deixou de ser eficiente e que teve de ser adaptado. Parece muito, mas para o técnico nascido em Vila Real, no Norte de Portugal, é pouco. Ele quer fazer revolução.


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- Esperam de mim resultado e não foi só para isso que eu vim. Vim para outras coisas mais, mas já percebi que elas só acontecem com bons resultados. Senão eu rapidamente levo o caminho de volta - refletiu Castro em entrevista exclusiva ao ge e à TV Globo.





Luís Castro é o técnico do Botafogo — Foto: Vítor Silva/BFR



Durante cerca de meia hora, Luís Castro recebeu a reportagem em um dos campos do Espaço Lonier antes de comandar o treino do Botafogo na quarta (22) - o local, inclusive, foi alvo de críticas pelo técnico dois dias depois.


Castro pouco sorriu. Foi incisivo e didático em suas respostas, demonstrando ser fiel às suas convicções e aos seus valores. O semblante sério dava a entender que havia algum desconforto. Não com a reportagem, pelo contrário - afinal, parecia lhe fazer bem externar suas inquietações. E sim com um contexto que ainda não está azeitado da maneira como ele esperava.


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Ao longo de suas respostas, o português transbordou emoção ao citar amigos atingidos pela Guerra na Ucrânia, demonstrou insatisfação com aspectos do futebol brasileiro e abriu o coração ao falar do que, aos 60 anos, espera alcançar em sua vida. A íntegra do papo você confere a seguir:


Ambição

- O mundo é feito de padrões instituídos na sociedade. Acham que as pessoas de 55, 60 anos devem se aposentar. Eu nunca tive tanta ambição. Não quero fechar a minha vida profissional. Quero morrer desempenhando a minha profissão. Sei que para isso eu tenho que estar permanentemente atualizado, tenho que me rodear dos melhores. Não posso ter assistentes com 80 ou 70 anos e que queiram se aposentar. Tenho que estar cercado de gente cheia de ambição independente da idade. É isso. Não quero parar. E, para não parar, tenho que ter bastante ambição.


Como se enxerga na revolução da SAF no futebol brasileiro?

- Para nós promovermos uma revolução não podemos andar pela superfície das coisas. Temos que ir às fundações, lá bem fundo. Essa revolução só é feita se formos aquilo que é necessário para um clube exercer essa revolução. Neste momento, quando fala da revolução, há um conjunto de ideias e pensamentos que vem à cabeça e que me revolta muito.




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- Porque as pessoas falam nessa revolução, mas olham sempre para os resultados que são necessários para se fazer essa revolução. E essa revolução é que vai dar origem a resultados. Mas aqui está o contrário. Os resultados é que têm que sustentar essa revolução. Isso anda na minha cabeça, numa velocidade a 200 por hora. Não estou entendendo direito o que querem. Porque já senti na pele o que é ter bons resultados e já senti o que são resultados ruins, mas ninguém fala de projeto e de evolução.


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Como muda isso?

- Não se muda. Mas então não falem em revolução. Não há revolução nenhuma quando as coisas continuam na mesma. O que interessa é o resultado. Então vamos assumir que é o resultado. Não interessa mais nada, é só o resultado e acabou. As pessoas só esperam resultados de mim. Não esperam intervenção. Não me perguntam se já estive na divisão de base, nem se tive alguma intervenção no novo centro de treinamentos, aproveitamento dos jogadores nas divisões de base do clube. Ninguém pergunta nada disso.


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- A única coisa é sobre esquema tático, se muda ou não. E os últimos dois jogos? Mudou o sistema? Ainda não percebi o sistema que gosto, se é o 5-4-1 ou 4-4-1. Porque num jogo jogamos no 5-4-1 e outro no 4-4-1 já que tivemos um a menos. Qual é o melhor sistema? Jogar com um a menos? Revolução... só esperam de mim resultado (torcida) e não foi só para isso que eu vim. Vim para outras coisas mais, mas já percebi que elas só acontecem com bons resultados. Senão eu rapidamente levo o caminho de volta. E tudo bem, estou preparado para fazer, já.


Se surpreendeu com o nível de cobrança? O que esperava de diferente?

- Esperava que houvesse intenção e ambição de ter um futebol brasileiro cada vez melhor, estádios que os gramados fossem muito bem cuidados, com obrigatoriedade de que cada clube tivesse um Centro de Treinamentos de nível para dar asas a essa ambição cada vez maior. Esperava que não acontecesse aquilo que aconteceu no último jogo de forma tão evidente. Esperava que os erros que nós obtemos muitas vezes fosse mais tolerados porque a condição humana é uma condição de fragilidade e erro. E já sei que não podemos errar muito, mas há sempre esse momento de erro e de alguma fragilidade.




Luís Castro, técnico do Botafogo — Foto: Vítor Silva/BFR


- Acho que o Brasil tem condições para ser aquilo que toda a gente espera que seja: uma referência, como é para o futebol mundial, na plenitude de suas capacidades. Tem bons jogadores, bons treinadores, é um país fantástico, tem uma paixão enorme pelo futebol que eu vim à procura de viver essa paixão e estou a vivê-la de uma forma tão radical e desequilibrada, que é algo que não faz bem a ninguém. Nem a quem trabalha, quem vive e quem comenta porque quando nos damos conta estamos todos metidos numa roda em que ninguém se entende. Dou por mim a olhar e perceber que as televisões estão vendendo aquilo que o cliente quer e muitas vezes aquilo que vende é sangue. E devia vender outra coisa.


Tem falado com o Textor?

- Eu tive mais conversas com John Textor antes da minha chegada do que depois. Após a minha chegada, o meu envolvimento com o clube e tudo que tenho que fazer no dia a dia me deixa muito mais focado. Sei que há um desenho de comunicação dentro do clube e há uma hierarquia muito bem definida. E essa hierarquia não é para o treinador estar ligado ao dono do clube de forma permanente. Há as pessoas dentro do clube que transmitem tudo aquilo a passar e que não sou eu que tenho que fazer. O meu foco é claramente outro.


Até onde vai o Botafogo?

- Não gosto de reagir. Sou um homem de planejamento e não de reação, reativo. Sou adepto do planejamento. O Botafogo, aquilo como me apresentaram é: vamos construir um Botafogo de forma que daqui a dois, três anos possamos lutar pelos primeiros lugares da tabela e possamos discutir Libertadores, título daqui a dois ou três anos. E vamos lançar alicerces para isso acontecer. Um time subir da Série B para a Série A não é só apertar um botão que agora vamos fazer as coisas. Tem que haver muitas mudanças, mudanças muito profundas. As coisas não se resolvem a lutar por um título porque se coloca um jogador ou dois ou três. Isso não existe. Quantos times fizeram grandes investimentos e caem na Série B? Quantos times no mundo fazem grandes investimentos e não conseguem atingir os objetivos. E por quê? Porque não estão alicerçadas naquilo que devem estar.


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- O alicerce de um clube está na sua organização, na forma como se comunica interna e externamente, na forma como olha a organização, o departamento de marketing, como se conecta com o departamento de comunicação, que se conecta com o departamento técnico, na forma como eu me ligo com o departamento de formação, a base, o desenho quando se contrata um jogador. Todos esses dossiês de procedimentos internos têm que existir dentro do clube, que é para o clube não falhar. Essa ideia de que um problema se resolve com a entrada de um jogador... então todos os times lutariam para ser campeões? Não. Os times que lutam para ser campeões são os que estão alicerçados numa grande divisão de base, num grande centro de treinamentos, num todo e não nas partes. Numa grande torcida, que nos entenda. Eu não preciso ouvir dizer que tenho que dar mais ou menos...


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- Eu vivo em função da minha consciência, não em função daquilo que vêm me dizer. Eu pressiono a mim mesmo, desde os meus 11 anos de idade. Não preciso que me venham dizer nada, muito menos agora com meus 60 anos. Ou vocês acham que saio da quarta divisão de Portugal, chego à Champions League, chego a uma semifinal de Liga Europa, sou campeão em outros países porque não tenho consciência? Sou um irresponsável e consegui isso sem responsabilidade? Saí de casa aos 17 anos e nunca mais voltei para pedir dinheiro aos meus pais. Fiz minha vida sem voltar a casa, quando saí aos 17 anos. Tenho responsabilidade e minha consciência diz para onde devo ir. Agora, quero melhorar? Quero melhorar através de reflexão que faço daquilo que está chegando externamente. Mas é a minha reflexão e não a dos outros. As pessoas acham que eu preciso que a torcida venha aqui para me pressionar para eu mudar o sistema tático ou ter esse ou aquele jogador? Ou então por ouvir um comentarista dizer que devo jogar com este ou aquele jogador? Não vou por aí.



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Quanto tempo para o time entregar a alegria citada por Luis Castro?

- Já. O tempo no futebol não é o tempo da vida normal das pessoas. Eu sei que se já não entregar isso às pessoas, a instabilidade fica instalada e muita gente fica perturbada e não se vive em paz. E quando não se vive em paz, não se atinge os objetivos. Acho que há contextos ideais para desenvolver trabalho e no futebol precisa muito desses contextos ideais. Eu sei a responsabilidade que eu tenho dentro do clube e sei da responsabilidade que tenho na minha profissão. Tem que ser rápido.


O que é a "equipe mandona", que você diz admirar?

- Mandona é uma equipe que se faz sentir em campo, é uma equipe que gosta de ter o jogo totalmente controlado, no seu momento ofensivo e defensivo. Que não se sente frágil em nenhum dos momentos. Muitas vezes nós achamos que uma equipe só manda quando tem a bola. Acho que sim, acredito que uma equipe manda mais quando tem a bola, mas não deixa de mandar quando não tem. E manda como? Manda quando essa arte de se defender é desempenhada de uma forma eficaz. Então, é isso, é uma equipe que se faz sentir em campo.


Exemplo do Botafogo como equipe mandona

- Não somos uma equipe mandona ainda. Me sinto muito triste por isso. Ainda somos uma equipe que se instabiliza muito ao longo dos jogos, se deixa instabilizar. As coisas na vida são esquecidas muito rápidas. Muita gente esqueceu que nós não tivemos pré-temporada, e as pessoas dizem que demorei a encontrar uma equipe. Claro, eu não sou milagreiro. Eu tenho que ter o meu tempo, contato com a minha equipe para saber o que que acontece. “Ah, só agora que está encontrando uma equipe?”. Claro, e pode ser diferente, não? Ou então, se não for assim, então nunca se faz pré-temporada. Começa logo. Nós fizemos a pré-temporada e ainda por cima sem treinar como queríamos e expor a nossa equipe numa competição oficial. Não digo que isso foi fatal, porque nós conseguimos bons resultados, mas alguns deles foi com grande dose de sorte. Nós tivemos vitórias de sorte. Em algumas vezes o adversário teve sorte e em outras nós tivemos.


Guerra na Ucrânia

- É difícil falar sobre momentos tão difíceis que o país, a Ucrânia, está vivendo neste momento. Lá estão famílias, famílias que estão separadas, famílias que não se separaram e ficaram expostas a uma guerra. Estão para início, que é o mais nos preocupa, esse lado global da guerra dadas aquelas particularidades que disse amigos meus. Que deixaram de ter trabalho, que estão querendo desistir de tudo, estão carentes de tudo, não têm qualquer tipo de qualidade de vida. Por exemplo, no futebol, não há um campeonato, está tudo suspenso. Tive jogadores meus vestidos com farda. Quando eles acharam que iam disputar uma Champions, tiveram que vestir a farda de guerra, pegar uma arma e defender o seu país. Tive amigos que estavam a viver em bunkers e em garagens com seus filhos. Tive amigos que foram com as esposas às fronteiras.





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- É triste olharmos para o nosso centro de treino com buraco no meio por conta de uma bomba que caiu em cima, mas é melhor cair ali do que em habitações, claro, mas tudo é triste. É triste saber que o mundo segue e não para. E o mundo devia parar. As pessoas estão preocupadas com o preço do gás, da gasolina, isso que os preocupa. Não os preocupa as crianças que morreram, os pais que se separaram, as condições de vida que não existem. E eu sei que o pior vem aí. Eu sei que aquelas temperaturas que sentem de 20 graus negativo e que vem aí outubro, novembro, dezembro vem aí e tudo aquilo vai ficar insuportável. Porque aquilo não vai se resolver, porque o mundo não quer resolver. Os líderes mundiais deveriam se unir, deveriam conversar, sabe?


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- Às vezes a única forma de ultrapassar por alguns momentos que vamos vivendo é culpar o momento, lembrar desses meus amigos que ficaram para trás. Culpar o momento, porque não estou a fazer nada por eles. Ou faço muito pouco. Cada um de nós paga os seus impostos para os governos desse mundo cuidarem de nós. Eles não estão a cuidar. Ainda hoje eu passava ali e vi ali na zona do Recreio um monte de água a atravessar a estrada. Eu passei com o meu carro, mas estava uma senhora parada, em uma bicicleta, a pensar como que ia passar por aquilo para ir ao seu trabalho. Pequenas coisas que mostram que nós não estamos a cuidar bem uns dos outros. Eu passei e deveria ter parado para dizer à senhora para por a bicicleta na mala do carro e ela entrar no carro para passar aquele lago que estava ali. Mas quem vinha atrás? Iam buzinar, iam me xingar, um monte de coisa, porque o mundo é assim. Quando nós queremos fazer bem aos outros, aparece um monte de gente a xingar e dizer que estamos errados.


Copa do Mundo

- Que seja uma manifestação de alegria do mundo. E que até lá, o mundo cuide do mundo.


E o CT do Botafogo?

- Toda a minha participação é de pressão e de sensibilizar todos daquilo que é um CT de futebol e para a sua academia. É impossível nós pensarmos em um Botafogo sucesso sem termos essa infraestrutura. Então, a minha pressão e quem vive a minha volta sabe, é diária. Quando é que tomam essa decisão, do local, quando começam as obras? Nós não podemos começar a próxima temporada sem ser em um espaço que seja alternativo para o desenvolvimento de um CT, que dure um ou dois anos de construção. Acho que quando eu parta do clube, espero cumprir o meu contrato até o fim, e quando eu partir, você ver que eu participei na construção desse CT. A minha participação é essa, é de sensibilização e de pressão diária sobre a importância do CT. Porque não há nenhum clube no mundo de sucesso que não tenha um CT de sucesso.


Está dando certo?

- Eu acho que as pessoas já têm a sensibilidade para isso, que é realmente necessário, e eu espero que desenvolvam. Eu entendo mais uma cobrança de nós não termos CT do que nós perdermos um jogo. Então, para mim é muito importante o CT. Vivi 10 anos dentro do futebol do Porto, vivi 10 anos em uma organização em que tinha de estar alicerçada a um conjunto de infraestruturas, que nós achávamos que era decisiva. E se tornaram decisivas. E programas de desenvolvimento dos jogadores dentro dessas infraestruturas se tornaram decisivas.


- Entenda agora, o Vitinho e o Fábio foram vendidos, um para o Arsenal e outro para o PSG, ainda produtos desse programa de desenvolvimento individual dos jogadores que nós fizemos dentro da academia. E foram jogadores que foram vendidos por 30 e tantos milhões, outro por 20 e tantos milhões. Portanto, só ali se geraram 60 e tantos milhões de euros para o clube. O modelo do negócio no futebol é claramente o desenvolvimento e aproveitamento, e posterior a venda. Contratação, aproveitamento, e posterior a venda. Essa é a máquina do futebol. Esse é o modelo do futebol. Portanto, só com uma grande infraestrutura é que nós podemos ser viáveis. Então, a minha sensibilização para todos a minha volta e eu dizia que a cobrança tem que ser maior do CT do que o próprio resultado imediato.


🎧 Ouça o podcast ge Botafogo 🎧



Fonte: GE/Por André Gallindo, Renata de Medeiros e Bernardo Serrado — Rio de Janeiro

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