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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Herói no gol e no asfalto, Jefferson fala de tudo: Copa, titularidade e relembra assalto


Ídolo que fez 35 anos no último dia 2, goleiro revela que ajuda a uma pessoa no trânsito causou incredulidade; em 2018, traça metas individuais e coletivas: "Quero um caneco de importância"






Após superar duas cirurgias no tríceps do braço esquerdo e voltar em julho de 2017 depois de um ano de inatividade pegando pênalti, Jefferson Oliveira Galvão, agora aos 35 e ídolo alvinegro de outros carnavais, está zerado para iniciar a temporada. É o que ele garante. E suas metas não são modestas. Quer a titularidade, um título de peso e mais: não desistiu da Copa da Rússia.


Herói no asfalto
Com 436 jogos pelo Botafogo, já começou 2018 como herói. Não dos botafoguenses, mas de uma família que nem torce pelo clube da Estrela Solitária. Na semana passada, após parar num posto para abastecer seu carro, observou um automóvel enguiçado e prontificou-se a ajudar.


A intervenção providencial fora das quatro linhas causou espanto inicialmente, mas depois gerou reconhecimento. Noiva do homem que foi "salvo" pelo goleiro, a vascaína Tayná Vaz divulgou a história nas redes sociais. O jogador mal sabe que deu força a um xará: Jeferson Patrick de Souza Martins é o nome do namorado de Tayná, e ele torce para o Flamengo.





Tayná Vaz@taynasvazz

Hoje,o carro do meu noivo enguiçou e de repente parou um cara com um carrão pra ajudar.O cara foi super atencioso e fez questão de ajudar empurrar o carro. Ah, o cara era o Jefferson. Um dos melhores goleiros que o Botafogo já teve. @BotafogoOficial


- Estou vendo um carro parado ali perto do shopping. Estava no semáforo, passava carro, e ninguém parava. E eu vi que tinha um moço com três moças no carro (na verdade estavam Jeferson, seu pai, sua avó e sua irmã). Aquilo estava me incomodando, e eu fui ajudar. Ele olhou para mim e disse: "ô, amigão". Depois ele olhou direito e pensou: "O que você está fazendo aqui?" Aí ele falou: "Você não é o Jefferson não". Eu respondi: "Sou". Ele respondeu: "Não, você não é não". "Sou sim", e ele: "Não é". Começou a teimar que não era eu (risos).


Incrédulo e atônito com o auxílio inusitado, Jeferson não pediu nem foto para o xará. O atleta encara o gesto como uma lição num momento complicado da sociedade.


- Aí fiquei com ele para ajudar e empurrar o carro, mas sem interesse nenhum. Acabou repercutindo de maneira positiva. É legal para mostrar que todos somos iguais e que temos que ajudar o nosso próximo, independentemente de posição ou não.


Com história rica em General Severiano, Jefferson tem muito mais a falar. Apesar do grande 2018 de Gatito, sente-se pronto para reassumir a titularidade do gol alvinegro. A Copa da Rússia ainda é um desejo - apesar de distante, ele admite -, um título nacional ou continental é meta, e aposentadoria ao fim do ano, uma possibilidade real.


E tem mais extracampo: ele fala - pela primeira vez - de quando não quis "dar uma de herói" e entregou tudo em assalto, ocorrido em outubro.Leia tudo abaixo.


Como foi para um grande ídolo do Botafogo acostumado a jogar de 60 a 70 partidas por temporada atuar em apenas sete no ano de 2017? Vale lembrar que você já estava à disposição desde julho. No que se apegava?
Ano passado foi de muita perseverança e de paciência. Tinha que andar passo a passo, porque eu vinha de uma lesão muito rara (no tríceps do braço esquerdo, que o obrigou a passar por duas cirurgias). Sabia que quando voltasse, eu teria de me adaptar porque fiquei praticamente um ano longe dos gramados. A readaptação seria difícil. Retornei com calma porque tinha que voltar a confiança com meu braço primeiramente. Eu não estava nem pensando talvez em uma titularidade ou sequência de jogos. Queria voltar bem e confiante. Foi o que eu fiz, graças a Deus, voltei até melhor do que eu esperava e do que muitas pessoas esperavam.


Tive a paciência de me readaptar ao grupo, ao ritmo de jogo... Então 2017 foi um ano para realmente voltar ao futebol.


- Esse ano agora a gente começa do zero e com a perspectiva de, se Deus quiser, assumir o gol do Botafogo.


Você acha que, por sua história e talento, o retorno ao posto de titular é algo natural?
Claro que a gente não pode negar a história que eu tenho no Botafogo, mas sempre digo que isso não influencia no atual momento do clube. Sei do meu potencial, da minha qualidade e do que posso render. Tenho mais um ano de contrato e estou motivado a ajudar o Botafogo a levantar títulos, se Deus quiser.


Você disse que não pensava em titularidade em 2017, mas aí volta ao Botafogo pegando pênalti - no empate por 1 a 1 com o Atlético-MG, - em 9 de julho de 2017 - e com muita euforia da torcida. Não deu para imaginar numa imediata volta ao gol?
Claro que eu sempre pensei em voltar como titular, mas em toda a minha carreira eu sempre respeitei meus companheiros. Naquele momento, o Gatito vinha jogando, e o time vinha numa crescente muito boa. Eu esperei com paciência, tranquilo, treinando e fazendo meu trabalho. Sabendo que eu já estava preparado para assumir a titularidade e respeitando meu companheiro.


- Mas em nenhum momento fiquei desesperado para reassumir a titularidade.


Veja abaixo vídeo com as melhores defesas de Jefferson contra o Galo




Com defesas importantes e pênalti defendido, Jefferson volta muito bem ao Botafogo


Obviamente você falou a respeito no dia de sua volta ao gol sobre o pênalti e tudo que viveu contra o Atlético-MG. Mas conte de novo o que você sentiu naquela partida.
Foi um momento muito marcante. Na realidade, era notável nos olhos de muitas pessoas e até mesmo de alguns torcedores a incerteza sobre como eu ia voltar e se eu iria voltar realmente ao futebol. Muitas pessoas não acreditavam nem no meu retorno por conta da lesão.


Entrando no túnel, eu pude ver nos olhos das pessoas aquela incerteza. Entrei no campo, vi os torcedores meio que em silêncio. Estavam acostumados a gritar o nome, mas ficaram em silêncio. Aí veio a primeira defesa, e eles foram gritando o nome. Segunda defesa... E aí no pênalti, e eles botaram para fora o grito. Foi um momento feliz, me arrepiei no pênalti e pude mostrar que estava bem.


No ano passado, você deu entrevista em que tratava a Copa de 2018 como um sonho. Tite parece estar fechando o seu trio de goleiros. Esse objetivo ainda é palpável?
Sem dúvida. Você tem que sonhar. O jogador e as pessoas têm que acreditar e sonhar até o último instante. Tenho esse sonho comigo de poder representar o Brasil na Copa, até a última convocação vou estar com essa esperança.


Claro que o grupo está bem fechado pelo Tite, mas ele conhece bem o meu trabalho e sabe o que eu posso fazer pela Seleção. Mas não é falando que eu vou me escalar. Dentro de campo, tendo sequência e bons momentos no Botafogo, vai ser possível.


Depois do jogo contra o Atlético-PR - em que Gatito falhou -, Jair disse que te colocaria no gol, e você não concordou em respeito ao companheiro. Como foi essa situação?
Faltavam poucos jogos para acabar o campeonato, eu sempre me coloquei à disposição do Jair naquela época. E sempre fui muito honesto e coerente com as decisões. Já passei por muitos momentos difíceis no futebol e sei como é a reação de todos: jogadores, torcedores e imprensa. Não foi exatamente após o jogo com o Atlético-PR. Era faltando duas ou três rodadas para acabar a competição, e eu não achei justo tirar o Gatito para me colocar faltando dois ou três jogos.


Jair me chamou no particular e disse que pensava em me colocar. Eu disse: "Sempre estive à disposição. Se é para uma ou outra ocasião, pode contar comigo". Naquele momento, eu acho que ia prejudicar muito o Gatito. Mas deixei claro que a decisão era do Jair. Não que eu não queria entrar. Ele pediu minha opinião, mas disse que estava disposto caso quisesse me colocar.


Tenho isso comigo, sei que para muitas pessoas esses valores já morreram, mas comigo não. Coisa que eu não gostaria que fizessem comigo eu não desejo para as outras pessoas.



Jefferson está com a cabeça no Botafogo (Foto: Fred Gomes)


Chegou a falar com o Gatito sobre isso?
Não, talvez ele podia perder a concentração faltando três jogos, e a gente precisando ir à Libertadores. Acho que ia atrapalhar o ambiente.


Como é sua relação com o Gatito? Ele já admitiu que você o ajudou muito no clube.
Muito boa. Não só entre eu e Gatito, mas com Saulo e Helton, que estava aqui, também. Ambiente muito bom e de respeito. Ficamos praticamente mais aqui do que em casa. Claro que todos querem buscar seu espaço, e isso é normal. Tem que ter isso mesmo no treinamento.


Mas quando um vai jogar, o outro fala: "Vai lá, arrebenta e boa sorte". A decisão final é do treinador, mas o respeito tem que haver, e eu e Gatito sempre nos respeitamos muito.



Personalidade de Gatito totalmente diferente.
Os gostos dele são totalmente diferentes (risos). Ele é de roça, gosta de caçar e pegar a estrada com a caminhonete dele. Ele não gosta de praia que nem eu não.


É favorável ao revezamento de goleiros?
Cada um tem uma forma de trabalhar e pensar. Alguns treinadores preferem o revezamento no início do ano, claro que ele não vai ficar revezando o ano todo. Uma hora ele vai dar sequência para um goleiro, mas não vejo nada demais se tiver que revezar até o professor Felipe saber quem ele vai escalar.



Felipe Conceição bate papo com Gatito e Jefferson (Foto: Fred Gomes/GloboEsporte.com)


Estamos preparados realmente para ajudar o Botafogo. Todos estão querendo a titularidade. Como eu estou querendo, o Gatito está querendo. Temos é que respeitar a decisão do Felipe.


No ano passado, em entrevista ao "Tá na Área", você cogitou a possibilidade de parar no fim de 2018. Tendo jogado apenas sete vezes em 2017, não deixou um gostinho de quero mais e a perspectiva de jogar até 2019, 2020?
Na época, o Botafogo pediu para fazer dois anos de contrato. Eu preferi fazer um ano. Agradeço muito ao Botafogo por, mesmo comigo voltando de lesão, ter me oferecido dois anos de contrato. Eu tenho planejamento com a minha família e das minhas coisas pessoais. Tenho mais um ano de Botafogo e vamos ver o que vai acontecer, mas tem a possibilidade sim.


De parar em 2018, certo?
Sim, de parar em 2018.



Jefferson Botafogo concede entrevista ao GloboEsporte.com no Niltão (Foto: Fred Gomes)


A Copa seria um encerramento com chave de ouro?
Sem dúvida. Sei que Deus tem preparado coisas boas para mim em 2018. Ano importante, pode ser o meu último aqui no Botafogo. Estou com energia de garoto, como se fosse meu primeiro ano no Botafogo. Tenho muita fé que tem coisas boas para mim e para o Botafogo.


Você já conviveu com elencos de diferentes perfis. Como você vê a queda da média de idade do Botafogo? O que esperar desse grupo?
A gente sabe que nome realmente não ganha jogo nem campeonato. Deu para a gente provar isso nos últimos dois anos. Se você olhar realmente na folha, eram poucos jogadores de nome. Eram mais aqueles que carregavam piano mesmo.


Se esses jogadores que estão chegando realmente derem o sangue, como é a característica dos jogadores daqui, tenho certeza que, junto à filosofia do Felipe, a gente vai fazer um grande ano.


- Então, estou botando fé nessa garotada.


Em 2017, você virou estatística ao ser assaltado no Rio de Janeiro. Qual foi a sensação e como você superou tudo isso?
Infelizmente a nossa sociedade está difícil. Não digo só o Rio de Janeiro. Acho a cidade do Rio de Janeiro muito bonita, gosto muito do Rio e de Niterói. Sou de Niterói. Têm muitos lugares maravilhosos aqui, mas infelizmente a violência tem tomado conta do Rio de Janeiro. A gente praticamente se prepara para muitas coisas que a gente vê na televisão e acha que não vai acontecer com a gente.






Goleiro Jefferson é assaltado quando chegava para treinar no Rio


- Pessoal até brincou comigo e disse que vai usar esse vídeo como uma aula de como ser assaltado (risos). Pela frieza e a calma que eu tive ali.


Deus me deu muita sabedoria para não reagir ali, porque bens materiais a gente corre atrás depois. Foi difícil conviver com aquilo, mas é a nossa realidade. Não pode deixar isso nos abater e pensar: "Vou embora". Infelizmente é a nossa realidade, e a gente tem que conviver com isso.


Mas embora você dê risada hoje com a brincadeira de que é "um exemplo de como ser assaltado", o fato de se brincar com algo que se tornou banal não te entristece?


- É triste. As pessoas, para você ver em que ponto chegou não só o Rio mas o Brasil, estão fazendo kit de roubo no carro. Deixam uma carteira, um celular falso para entregar se for assaltado.


A gente pede que as autoridades vejam isso, mas enquanto eles não veem, nós temos que nos adaptar a isso.


Vamos às amenidades: que coisas você curte quando tem tempo livre fora do futebol?
Gosto muito de assistir filme. Vou bastante para a minha igreja, a Lagoinha Niterói. Gosto muito de ficar com minhas filhas, levo na escola e busco. Sou muito família. A gente não pode sair muito na rua, até pelo assédio. Gosto muito de ir à praia.



Jefferson conversou por 25 minutos com o GloboEsporte.com (Foto: Fred Gomes)


Que tipo de filme você gosta de ver?
Assisto a todos, gosto de ação, de comédia e seriados. Prison Break.


A última de futebol: o que o Jefferson projeta para 2018 após um ano de muita reflexão?
Tenho muitas metas particulares e com o Botafogo. Nunca fui de desejar bater meta, mas a gente vai jogando e, quando menos percebe, já está entrando no top 10 dos que mais vestiram a camisa do Botafogo. Tenho uma meta pessoal de estar entre os três que mais vestiram a camisa do Botafogo até o final do ano.


*Nota da Redação: com 436 partidas, Jefferson é o sétimo jogador que mais vestiu a camisa alvinegra. O terceiro da lista é Waltencir, que entre 1967 a 1976, atuou 453 vezes pelo Bota.


E eu quero ajudar o Botafogo a levantar um caneco de importância. Já tive a oportunidade de levantar várias taças no Campeonato Carioca, pretendo levantar de novo com o Botafogo, mas quero levar um título, quem sabe, da Copa do Brasil, Sul-Americana ou Brasileiro. Sei que é difícil, mas estou bem focado para brigar lá em cima nos campeonatos.


Fonte: GE/Por André Pessoa, Andrey Raychtock e Fred Gomes, Rio de Janeiro