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sexta-feira, 18 de março de 2022

A vida depois da SAF: Durcesio Mello explica papel do clube no futuro do futebol do Botafogo


Em entrevista ao ge, presidente revela bastidores e desafios da negociação com John Textor, esclarece pontos da parceria e projeta o futuro de General Severiano separado do Nilton Santos




Durcesio Mello está pronto para entregar o bastão no Botafogo, ao menos nos assuntos do futebol. Sai o presidente, entra o novo dono, John Textor, em um novo modelo em que a associação virou coadjuvante da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O período foi curto, um ano e três meses, mas ficará como um dos momentos mais decisivos da história alvinegra.


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Para fazer o balanço dos dias animados pré-SAF, Durcesio recebeu a reportagem do ge em um dos últimos dias de despacho no Nilton Santos. Em breve, o dirigente fará a mudança para General Severiano, onde vai comandar o clube Botafogo sem o carro chefe de sempre.


Na entrevista, o presidente relembrou momentos marcantes deste ano e do ano que passou, revelou bastidores e explicou pontos importantes da parceria entre Botafogo e Textor. Além disso, projetou o futuro do clube sem o futebol e explicou qual será o papel da associação na nova SAF alvinegra.





Durcesio Mello, presidente Botafogo, está pronto para passar o bastão — Foto: Thayuan Leiras/ge



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Confira como foi a conversa com o presidente do Botafogo:


ge: por que o Botafogo foi escolhido por Textor?

Durcesio Mello: O motivo é simples: porque o Botafogo era o melhor produto que tinha no mercado. Tinha um investidor que queria comprar um time no Brasil, e o Botafogo, disparadamente, era o melhor ativo para fazer isso. Por quê? Porque estamos nos preparando há mais de dois anos.


Isso começou com os irmãos Moreira Salles, quando contrataram o estudo que deu o pontapé inicial para esse projeto todo. Passou, não deu certo. Viemos para o Plano B, e as coisas foram se ajeitando. Então, quando o John Textor chegou, o clube estava pronto. Todo dever de casa tinha sido feito. A dívida estava estruturada, negociada. Tudo estava muito bem definido. Tanto é que o Jorge Braga fala que foi num tempo relâmpago.


Por que o Botafogo escolheu Textor?

A gente tinha outras propostas que ainda estavam embrionárias. O John Textor entrou como um trator, e o negócio andou muito rápido. E por que o projeto do John teve preferência em relação a outros? Porque ele já tem ativos no futebol e ele quer ficar no futebol. Isso é muito importante. Ele tem o Crystal Palace, o Molenbeek, está tentando um clube em Portugal e outro na Espanha, e o Botafogo é o principal desses ativos dele.


Quando pergunta para ele se vai vender o Botafogo um dia, ele diz: "Não, o Botafogo só com a minha morte. Quando eu morrer, vai passar para os meus filhos. Isso daqui é o meu legado". O que é muito legal para o torcedor e para a gente que está passando que ele não está aqui para fazer uma alavancagem, ter lucro e sair. Não é isso.



André Hernán fala sobre negociação entre Palmeiras e Botafogo por Patrick de Paula (https://ge.globo.com/video/entenda-como-esta-a-negociacao-entre-palmeiras-e-botafogo-por-patrick-de-paula-10399123.ghtml)


Do lado de fora, a torcida comprou rapidamente a solução da SAF. Internamente, como foi o trabalho político para aprovar o projeto?

Teve um trabalho político forte que comandei porque faz parte. O Botafogo é uma associação. Tem que convencer todo mundo, do Conselho Deliberativo ao sócio-proprietário, de que é um bom negócio. Quando votamos no Conselho Deliberativo, deu 97% de aprovação e quando votou na Assembleia Geral, que teve a torcida invadindo, teve 98% de aprovação. As pessoas sentiram. A política do Botafogo sentiu que o projeto era muito forte, muito sólido, protegia o clube de todas as maneiras.


Aconteceu tanta coisa nesse um ano e três meses, que nem parece que o seu mandato tem apenas esse tempo. Esperava que fosse tão animado?


O primeiro ano valeu pelos quatro (risos). Mas teve muita coisa boa. Trabalhamos muito, mas tivemos sorte também. Subimos quando ninguém acreditava que iria subir. Conseguimos, nesse prazo, o Jorge (Braga, CEO) e a equipe dele toda, reestruturar toda nossa dívida. Hoje o Botafogo é um clube que o John Textor sabe exatamente o que está comprando.


Tem uma dívida de R$ 900 milhões? Tem, mas está toda equacionada, com algumas reduções e vai haver mais reduções ainda. Agora é questão de negociar. Entramos no RCE, fizemos essa estrutura aqui, lançamos o museu. Mas, principalmente, estruturamos - e esse foi o mérito desse ano - e conseguimos em tão pouco tempo fazer o que a gente fez de estruturar a dívida e dar a preparada final para o clube se tornar SAF.


Como será a rotina daqui para frente?

Ofereci ao John Textor para continuar ajudando na parte institucional e política. Porque ele está lá, e não tem ninguém aqui. Até para deixar o Jorge tocar o clube no dia a dia. Estamos discutindo isso ainda. Mas, em princípio, devo ficar muito mais em General Severiano. Não vou abandonar isso daqui porque virou a minha casa. Não quero largar isso aqui, mas agora é a SAF. Tenho que ver onde é meu lugar.



Temos muita coisa para fazer em General Severiano. Estamos trabalhando para conseguir as CNDs (Certidões Negativas de Débito) para os esportes olímpicos, para conseguir projetos incentivados. E fazer a coisa que é o meu sonho e sempre foi: projetos sociais. Quero entrar pesado nisso. Fazer ações sociais pelo Botafogo. Acho que seria importantíssimo retornar um pouco para a sociedade do que o Botafogo tem e ganha. Esse ano já vai começar.




Durcesio Mello vai ter um pouco mais de descanso, mas seguirá trabalhando no Botafogo — Foto: Vitor Silva/Botafogo


Como seria essa ajuda política na prática?

O futebol tem muita coisa política e institucional. Ele mesmo fala que é importante ter o Botafogo social, que vai ficar comigo, forte. Porque ele quer ver os esportes olímpicos e a marca Botafogo forte. Quando a marca Botafogo está bem, isso respinga nele e vice-versa.


Tem muito mais coisa, tem participação na CBF, Ferj, em Brasília tem muita coisa a ser feita, como ajudamos na lei da SAF. Tem muita coisa que eu acho que posso fazer. Eu vou estar no Conselho de Administração. Vamos ter uma pessoa no Conselho de Administração, no caso serei eu, e outra que indiquei para o Conselho Fiscal. Então vamos estar lá de qualquer maneira.


Nota da redação: após a publicação, o clube afirmou à reportagem que o CEO Jorge Braga será o interlocutor oficial da SAF em assuntos institucionais.


Quem é o representante no Conselho Fiscal?


Fernando Pereira. Não tinha cargo no Botafogo. Não pode ter relações políticas. Ele é botafoguense, mas não tem relações políticas com o Botafogo. Isso é uma exigência da SAF. Não poderia escolher um sócio-proprietário, por exemplo, ninguém da minha chapa. Tinha que ser uma pessoa de fora.


Como ficará essa participação nos próximos anos, depois da sua gestão?

Agora é outro CNPJ, não tem o que fazer. Isso era uma preocupação, de chegar o novo presidente, não concordar com isso e melar tudo daqui a três anos. Essa hipótese não existe mais. Está tudo sacramentado, feito e aprovado pelo Conselho Deliberativo. O Conselho Fiscal sempre esteve presente nas negociações, participou e esteve ciente de tudo. Então, não tem mais o que fazer. O novo presidente vai passar a ter a posição que tenho hoje no Conselho de Administração, que vai passar para o novo presidente ou quem ele escolher, mesma coisa no Conselho Fiscal.



Então, as cadeiras da associação nos conselhos da SAF serão escolhidas sempre pelo presidente?


Isso, será direito do presidente eleito.



Saravia espera repetir sucesso de Carli e Gatito no Botafogo (https://ge.globo.com/video/saravia-espera-repetir-sucesso-de-carli-e-gatito-no-botafogo-10398281.ghtml)


Futebol feminino e futsal ficarão com a SAF?

Futebol feminino tem que ficar com a SAF porque está diretamente ligado ao futebol masculino profissional. Porque se você estiver na Série A tem que ter o futebol profissional feminino, e também o Sub-18, então é obrigação da SAF. O futebol feminino vai passar para a SAF. O futsal ainda não está definido.


Por enquanto, estou tocando como se nada tivesse mudado e o futsal fica comigo, ainda. É tanta coisa que isso vai ficando para depois. No momento certo, se ele chegar e dizer que quer ficar com o futsal, eu passo para ele. Não vou ter esse problema. Tem muita coisa pequena que não foi discutida e quero discutir. Por exemplo, vantagens para sócios-proprietários que hoje entram no Nilton Santos em jogos sem pagar. Quero ver se consigo pelo menos uma cota. São coisas pequenas que não eram prioridades numa negociação deste tamanho.



Além do pagamento das dívidas, vai ter uma parte de royalties que o clube recebe?

Não vai ser agora, porque esses royalties vão ser pagos na dívida, mas depois que quitar a dívida, tem o prazo de 10 anos, aí passa a ter um retorno para o Botafogo (associação).


Como equilibrar para tornar o social do clube saudável?

Isso, agora estou me debruçando. Isso tudo (mostra um caderno) são papéis sobre isso, de receitas e despesas que eu tenho. Até então era um caixa único. Agora é um caixa do Botafogo social, que é uma receita muito pequena e a despesa é um pouco maior do jeito que está hoje. Mas vamos trabalhar para equacionar e zerar esse desequilíbrio para gerar novas receitas. Têm várias coisas que estou negociando, como aluguéis, para aumentar a receita.


A organização vai mudar? Vice-presidências, novos profissionais...


Eu vou contratar novos profissionais. Alguns vão ser usados da estrutura atual porque tenho na minha cabeça de ter um gerente geral e quatro ou cinco coordenadores, de administração, financeiro, comercial, jurídico… Mas vai ser uma estrutura muito enxuta para comportar essa receita que temos. Estamos trabalhando nisso.





Durcesio aponta para a parede de sua sala no Estádio Nilton Santos — Foto: Thayuan Leiras/ge



Como está a saúde, presidente?


Estou muito bem. A idade vai chegando e dá problema. Que nem carro velho, você manda para a oficina e aparecem vários defeitos (risos). Meu tratamento do câncer está indo muito bem, graças a Deus só melhora. Cada vez que eu faço exames só apontam para uma cura. Mas tem um caminho a percorrer ainda.


Isso aqui (muleta) foi um acidente de trabalho. Fiz uma pequena cirurgia, estava de muletas e escorreguei no banheiro. Não foi a cirurgia em si. Ela foi muito simples. Entrei num dia e saí no outro do hospital. O problema que tive, que fiquei 15 dias de cadeira de rodas, depois com duas muletas e em seguida uma muleta, foi a queda no banheiro. Fraturei uma vértebra e fissurei o fêmur. Mas não foi de saúde, foi um acidente, como se fosse de carro ou de bicicleta.


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Por que quis abrir o Acesso Total logo no primeiro ano de gestão, e um ano que prometia ser tão difícil?


Primeiro, por causa da transparência. Isso mostra uma transparência do clube. Nenhum torcedor vê. Quem não viu, tem que ver o Acesso Total, porque mostra as entranhas do futebol. E não é só o Botafogo, qualquer clube é parecido: briga de jogador no vestiário, discussão de técnico… Muitas coisas que acontecem no dia a dia, negociação de contrato… Eu quis fazer por dois motivos: primeiro porque sou otimista por natureza; segundo porque sou um pouco maluco. Meu filho fica me brecando toda hora porque sou meio maluco. Já com a minha idade (66 anos) continuo maluco. Eu adorei o projeto e paguei pra ver. Deu certo, graças a Deus, podia não dar (risos).


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Fonte: Por Davi Barros e Thayuan Leiras — Rio de Janeiro