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domingo, 9 de janeiro de 2022

Textor estabelece meta imediata no Botafogo: "Ter alcance global na identificação de talentos"


Em entrevista exclusiva, empresário que comprará 90% da SAF do Botafogo fala sobre as motivações e os planos ao entrar no mercado do futebol brasileiro






Investidor John Textor é recebido pela torcida do Botafogo na chegada ao Rio (https://ge.globo.com/video/investidor-john-textor-e-recebido-pela-torcida-do-botafogo-na-chegada-ao-rio-10194840.ghtml)



Mais do que um dono para o futebol, o Botafogo ganhou espaço em uma rede de colaboração que passa a ligar o Brasil à Europa. Essa é a mensagem que o empresário John Textor passou ao ge em praticamente uma hora de entrevista exclusiva.


Prestes a adquirir o terceiro clube pelo mundo e em busca do quarto, o americano afirmou que pretende facilitar chegadas e saídas de jovens talentos no Botafogo. Veteranos também estão na mira do investidor.


- Jogadores que fizeram grandes coisas na Europa e ainda acrescentam muito em campo podem voltar para casa. São jogadores que talvez não pensem em voltar agora, mas isso pode mudar com o que está acontecendo no Brasil. Os Red Bulls da vida estão aparecendo, pessoas como eu. Isso pode inspirá-los a voltar para o país natal não só para encerrar a carreira, mas para ser um lugar onde você vai estar no auge da sua carreira - disse.



Sobre jovens, Textor espera desenvolver talentos precoces no Brasil e buscá-los fora do país. A ideia é aumentar o banco de dados e a busca por talentos em partes diferentes do mundo. O que também inclui intercâmbio. Por exemplo, o torcedor não deve se assustar caso jovens estrangeiros desembarquem no Rio de Janeiro ainda este ano.


- Teremos que testar isso. Você não pode apostar quando a temporada começa. Se pudermos, queremos testar alguns desses jogadores no início do ano. Espero que sem grandes manchetes sobre alguns dos jovens que vamos trazer. Será parte de um processo educacional, de entender quando você se torna um identificador global de talentos - explicou.




Empresário comprará 90% da Botafogo SAF — Foto: Divulgação



O negócio com o Botafogo é apenas um no movimento do empresário para explorar o mercado do futebol. Ele tem sociedade no Crystal Palace, na Inglaterra, adquiriu um clube da segunda divisão belga e negocia para comprar parte do Benfica, de Portugal.


Tudo indica que o clube carioca entrará nessa lista na semana que vem. Textor assinará a oferta vinculante com o clube até a manhã de segunda-feira. Na quinta e na sexta, os conselheiros e os sócios votarão os termos do contrato para aprovar a venda da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do clube ao americano. O investimento já nos primeiros meses de 2022 será de R$ 150 milhões (veja todos os números aqui).


A conversa com o ge aconteceu no Espaço Lonier, futuro centro de treinamentos da base alvinegra. Que é um dos grandes focos de Textor, defensor da aposta em jovens talentos e no desenvolvimento de atletas, política que também adota no Crystal Palace. Na entrevista, ele fala sobre o presente e o futuro do Botafogo, além das possibilidades que se abrem no mercado brasileiro.


ge: Por que o Botafogo?


John Textor: Não vou dizer aos torcedores que foi minha primeira escolha no Brasil. Achei que ninguém conseguiria comprar um clube tão grande como o Botafogo. Eu estava procurando clubes no Brasil, não por causa de um clube específico. Todo mundo que presta atenção sabe que alguns dos maiores talentos do mundo saem do Brasil, frequentemente passam por Portugal. Acho que Brasil, França e África são os lugares em que você acha o talento. Quando você une esse talento a estrutura, sistemas e repetição, coisas incríveis acontecem.


Quando vim para o Brasil, eu estava procurando clubes na Primeira Divisão com poucos torcedores, porque eu queria entrar e mudar toda a organização de negócios, a história de más práticas, comercializar de forma mais efetiva, construir novas fontes de receita. Quando eu estava olhando os clubes menores, dois jovens que trabalham comigo mencionaram o Botafogo. Eu falei: "Não, é como comprar o Newcastle ou o Manchester United, ninguém compra o Botafogo". Ninguém deveria ser dono desses clubes. Mas nós compramos. Um dono é a pessoa que toma conta do clube. Até eu morrer e esse clube continuar vivo 100 anos depois.


Falando esportivamente, você tem objetivos para o primeiro, o segundo, o terceiro ano?


Em termos de plano imediato, os clubes brasileiros não investem o suficiente em scouting, em dados. Acho que precisamos trazer dinheiro e pessoas para melhorar o scouting e o scouting baseado em dados. Qualquer pessoa pode reconhecer quando os pés de um jovem foram beijados por Deus, sou inteligente o suficiente para saber disso. Eu vi um garoto aqui, na verdade alguns, cujos pés foram beijados por Deus. Acho que além do óbvio, de ver esses jogadores especiais, tem o resto todo.


O que foi incrível no meu interesse em outros clubes é que eles provavelmente têm na Europa mais dados sobre jogadores no Brasil do que os clubes do Brasil têm sobre esses jogadores. Você vê os orçamentos desses clubes da Europa, há muitas pessoas no Brasil sendo pagas por esses clubes europeus.




John Textor ao lado de Jorge Braga, CEO do Botafogo — Foto: Vitor Silva/Botafogo


Pode explicar como será o investimento?

É confidencial. O clube quer ver uma garantia significativa de vários anos de folha salarial de jogadores, de gastos operacionais e investimento. Os três principais impulsionadores de sucesso em campo. O investimento na estrutura, no CT, tornando um lugar melhor para jogar. Não pense que isso não importa. No Crystal Palace, botamos milhões de dólares no CT da base, e o time principal está do outro lado da rua com boa estrutura. Mas vá ao site, você vai ver que às vezes eles treinam no CT da base, de tão avançado que é.


Em que lugar o Botafogo se encaixa no seu plano de negócios global envolvendo o futebol?

Vocês sabem os outros clubes que eu estou interessado, e são todos de primeira linha. É um relacionamento, não é necessariamente uma propriedade multi-clube. O City Football Group não colocou esse grupo de clubes grandes. Espero que o Botafogo atue em parceria com outros clubes da mesma prateleira, como o Benfica. Isso nunca aconteceu antes.


Nenhum clube deve ser apenas um satélite para outro. Todo clube é importante para a sua torcida, para o seu país. Por que eu faria isso? Não tem lógica. Quando falamos de colaboração, isso dá mais oportunidades. Usar essa identidade global para mapear e atrair talentos. Nas últimas semanas, falei algumas vezes com o diretor do Crystal Palace: "o que acha desse jogador, ou desse? Muito jovem? Muito velho? Ainda precisa ser mais testado?" Essa é uma grande oportunidade para o Botafogo. E, nessa equação, você tem que dar e receber em proporções iguais.


Esse é um lado. O outro é o desejo dos jogadores brasileiros de saírem muito jovens e voltarem mais velhos. O desejo de se testarem em outras ligas. Isso está no coração deles. Mas, se o Botafogo for reconhecido como um bom lugar para jogar no seu país, se for um clube que dá oportunidade de jogar na Seleção, de ser reconhecido nacionalmente. Ou até se o Botafogo for o caminho para quem quiser, no futuro, jogar a Liga dos Campeões, jogar o Campeonato Inglês. Isso nos tornaria os melhores recrutadores desse país, e é isso o que queremos fazer. Quero que esse seja o melhor lugar para os melhores jogadores desse país, porque daremos as melhores oportunidades.



Você citou interesse tanto jogadores jovens como veteranos estrangeiros. Podemos esperar isso já no primeiro ano?

Esses veteranos não precisam ser brasileiros, podem ser jogadores que queiram atuar aqui. Eles trazem liderança, sabedoria e a coisa mais importante no futebol: calma. A diferença entre um jogador incrível e um mediano é o senso de calma, é saber lidar com o momento. Esses capitães veteranos trazem isso.


Acredito que teremos sucesso para convencer jogadores a jogar aqui e a trazer títulos para o Botafogo. Algumas ideias que os torcedores deram são excelentes. Outros são sonhos, jogadores que são muito caros. Gastar muito dinheiro em um jogador por causa de glórias passadas quando esse dinheiro pode ser espalhado para contratar três atacantes e dois zagueiros... Você precisa ser racional sobre isso.


Vamos aprender muito se esses jogadores tornam ou não nosso time melhor. Nosso elenco acho que é 95% do Brasil. Não pode ser uma potência global do futebol se você acredita que o talento só vem de um país. Esperem que sejamos leais ao jogo do Brasil e que busquemos os melhores do Brasil para jogar no Botafogo. Mas esperem que nós os desafiemos com os jogadores que nós acreditamos que representam o melhor do mundo.



Quais são os seus planos para as divisões de base? Devemos esperar jovens sendo desenvolvidos e negociados rapidamente?

Não penso muito nisso. A questão é ganhar. O Botafogo acabou de sair da segunda divisão e tem que olhar para frente. Temos que levar os três pontos sempre. Temos esse pensamento no Crystal Palace também. Se quisermos chegar longe no Brasileirão ou ir à Libertadores, quaisquer três pontos fazem diferença.


Se você for no site do Crystal Palace, vai ver o compromisso que temos com os jovens, o investimento que fazemos, a estrutura, que é importante e necessária. Vocês verão esse investimento, e verão centros em outras partes do mundo com a marca do Botafogo. O único jeito de conseguir talentos ao redor do mundo é se eles souberem quem você é. E isso não acontece com marketing ou posts de Instagram. Você treina os garotos, identifica e recruta para cá.


Ao menos 20% das receitas da SAF ficarão comprometidas até pagar a enorme dívida do Botafogo. Isso não te assustou?

Se for olhar para as receitas de um clube de futebol no Brasil, essa dívida iria assustar. Mas o impacto que o clube pode gerar é muito maior. Podemos engajar a nossa torcida, a nossa audiência, de maneira muito lucrativa. Olhe para o Manchester United, por exemplo, que tem uma torcida muito leal em escala global, mas não consegue alcançar todo o potencial em termos de modelo de negócio.


Um clube como o Botafogo, com milhões de torcedores, dá muitas oportunidades. Onde há esse tipo de paixão, há chance para crescimento. E não há uma dívida muito alta para um modelo de negócios global. É uma dívida imensa para um clube daqui, mas o governo fez uma grande lei, que deixou essa quantia possível de se pagar. Fizeram um grande trabalho para preparar o terreno. O governo não faz isso por nós lá nos EUA (risos).


Ontem você conheceu o Nilton Santos, agora está no CT da base. Quais são as suas impressões sobre a estrutura do Botafogo?

Minha reação ao vir aqui (no Espaço Lonier) é de que deve ser um dos lugares mais bonitos para jogar futebol no mundo. É antigo, rústico. Deus fez o trabalho dele, agora temos que fazer o nosso. Temos que deixar a estrutura no padrão que desejamos. Falei para um de meus parceiros sobre um jogador que seria bom de trazer para cá, e ele falou: "Acho que é pedir muito, pedir para que ele saia de Londres e venha para o Brasil". Ele não falou com essas palavras, mas é por aí. Há estádios na Premier League que têm lindos vestiários, os jogadores dirigem grandes carros... A estrutura é incrível na Premier League.


Quando chego ao estádio, provavelmente quero botar uma mão de tinta em algumas coisas. Mas o que importa é o que acontece em campo. A estrutura é boa e vai melhorar. Vejo a liderança dos meus parceiros no Crystal Palace, o que eles fizeram com o CT da base lá. Há ótimos vídeos no site do Crystal Palace da estrutura lá, se você quiser saber qual é o meu padrão.


Como reagiu à recepção da torcida no aeroporto? Um dos torcedores até tentou dar uma nota de R$ 20...

Se eu soubesse português entenderia até melhor o tamanho da fama que ele ganhou. Ainda não entendi muito bem aquilo tudo. Fiquei muito feliz, não esperava. Nas imagens eu estou com a mão na cabeça, e aquilo é para tentar segurar o choro, porque foi muito emocionante. Não acho que fiz algo para merecer aqui, foi inacreditável. Chorei nas vezes em que revi. Algumas crianças de quatro ou cinco anos querendo chegar perto e me cumprimentar. Foi muito especial.


Sobre o rapaz com a nota de 20... Eu estava ali no meio da confusão, alguns empurrões, e uma pessoa começou a me dar uma ótima massagem nas costas. Eu vi uma nota, não sabia se eram reais ou euros. Só sabia que não eram dólares. Mas eu não queria tirar o dinheiro dele, porque vim aqui para investir dinheiro, e não tomar dinheiro de alguém. Mas ele me deu um presente ainda melhor, me deu essa memória que vai durar muito mais do que o dinheiro.




Americano virou meme nas redes sociais — Foto: Reprodução


Você comentou em outra entrevista recente que vê os clubes como companhias de mídia, que precisam abastecer o torcedor para além de dias de jogos. Esse é o caminho?


Os torcedores não devem esperar que nós vamos martelar diversas maneiras diferentes de tirar dinheiro deles. Esse é um processo que precisa ser mais natural. Se você conseguir grandes histórias, como essas que a Netflix conseguiu fazer sobre os clubes, os torcedores vêm até você naturalmente. Temos que capturar esses momentos que mobilizam os torcedores, fazem eles quererem se reunir, viver aquilo.


O que já sabe sobre a organização do futebol brasileiro? Aqui, por exemplo, nós não temos uma liga para representar os clubes em assuntos comerciais.

A equidade nas receitas deixa o Campeonato Inglês mais forte. Sei que vocês não têm uma liga propriamente dita, mas os clubes se reúnem. Sei também que alguns clubes querem ganhar muito mais do que outros. Mas não importa o quão grande eles sejam, ou se são inimigos no campo, eles precisam ser parceiros na hora de exportar a imagem do futebol brasileiro para o mundo. A imagem do Brasil precisa ser melhor. As transmissões, as estruturas... O Brasil é um país lindo, como pessoas lindas, e o futebol tem um poder gigante aqui. Tudo isso pode virar conteúdo. Não é algo que temos no Campeonato Inglês, embora tenhamos grandes torcedores.


As pessoas precisam entender que esse país é atrativo, que o futebol daqui deve ser visto. Por que as pessoas veem o Campeonato Inglês ou o Espanhol? No campo, acontecem quase as mesmas coisas... Mas a imagem e a organização são diferentes. Podemos levar o melhor do Brasil, levar grandes times para a Europa para bater nos times de lá, e todos vão lembrar que o Brasil continua a ser o que sempre foi. Mas também precisamos vender essa imagem melhor. E todos os clubes devem ter esse compromisso com o país, de exportar melhor o produto e a imagem do futebol brasileiro para outros países.



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Fonte: GE/Por Bernardo Serrado, Raphael de Angeli e Thayuan Leiras — Rio de Janeiro

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