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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Herrera sente falta do Brasil e calor da torcida


Sem levar cartões na temporada, e com média de 0,77 gol por jogo, argentino revela saudade de carinho dos torcedores na rua, mas não pensa em voltar antes de 2015




Quem conversa com Germán Herrera sente que está falando com outra pessoa que não o atacante brigador dentro das quatro linhas. Conhecido pelo temperamento explosivo durante as partidas, o argentino é sereno, cuidadoso com as palavras. Sempre foi assim, seja na Argentina ou no Brasil. Porém, ficou ainda mais "zen" desde que chegou aos Emirados Árabes. Após sair do Botafogo em julho de 2012, Herrera rumou para o Emirates Club em uma negociação de R$ 6 milhões. Lá, é o principal nome da equipe, vive fase de artilheiro, com 34 gols em 44 jogos, e de poucos cartões recebidos - nesta temporada, ainda não levou nenhum. Na vida pessoal, também está tranquilo.

Herrera aproveita o tempo livre para passar com a esposa e a filha em sua luxuosa casa e garante não ter vivenciado qualquer dificuldade longe da América do Sul. Só reclama do frio. Não climático, mas sim dos torcedores, que pouco acompanham o futebol no Golfo Pérsico - realidade distante daquela que experimentou no Botafogo, por quem o argentino torce na Libertadores a partir desta quarta-feira, data da largada alvinegra na fase prévia do torneio, contra o Deportivo Quito.

Herrera vive boa média de gols e poucos cartões vestindo a camisa 17 do Emirates Club (Foto: Arquivo Pessoal)
Nas ruas, ele não é reconhecido. Nos estádios, joga para quase ninguém. A capacidade do Emirates Club Stadium é de pouco menos de 5.000 torcedores. E normalmente o público que comparece é bem abaixo de sua lotação. Tamanha frieza é estranha para um sul-americano. Acostumado com a cultura latina, com calor dos torcedores, a jogar em estádios lotados e parar para fotos e autógrafos, Herrera sente falta da Argentina e do Brasil quando anda pelas ruas de Ras Al-Khaimah, cidade onde joga o Emirates Club.

- O calor da torcida, isso faz muita diferença. A gente joga quase sem público. É difícil não ter o calor da torcida na rua. Você passeia pela cidade e é uma pessoa como qualquer outra. Não que a gente não seja uma pessoa como qualquer outra (risos), mas é diferente. No futebol da Argentina e no Brasil, somos reconhecidos. Aqui você anda na rua e ninguém sabe quem você é - disse o jogador, por telefone, ao GloboEsporte.com.

No tempo livre, Herrera aproveita
 para estar ao lado da esposa e da filha
 (Foto: Arquivo Pessoal)
Apesar da saudade, Herrera se sente acolhido nos Emirados Árabes. Seus vizinhos são brasileiros - Rodrigo, Jair e Luiz Henrique, todos companheiros de equipe, assim como o técnico Paulo Comelli. Nas últimas semanas, ainda ganhou a companhia de Derley, recém-saído do Náutico. Comida e religião também não são problemas no país. Seus costumes são livres para serem praticados e é fácil encontrar alimentos e bebidas tipicamente latinos. A língua também não é uma barreira, já que muitos falam inglês, e, para assuntos com o clube, ainda conta com um tradutor à sua disposição.

Talvez tamanha tranquilidade tenha se refletido em campo. O abismo técnico entre o Campeonato Brasileiro e a liga dos Emirados Árabes pode ser, de certa forma, deixado de lado para expressar os números de Herrera: ao todo, disputou 44 partidas e marcou 34 gols, média de 0,77 por jogo. Ainda, na atual temporada, não recebeu um cartão amarelo sequer. O atacante, no entanto, garante que mantém seu estilo de jogo, que acabava conflitando com o estilo de arbitragem no Brasil.

- Eu tenho uma maneira de jogar, que é sempre disputar a bola, e no Brasil os árbitros são orientados a marcar qualquer falta, o que em outros lugares não acontece. Pode ver qualquer liga do mundo e vai ver que a média de faltas no Brasil é muito superior à dos outros. Na Argentina se deixa o jogo correr mais, enquanto no Brasil, às vezes, se para o jogo demais. Aqui os árbitros também marcam muitas faltas, mas me acostumei a não me deixar levar pelos árbitros - analisou.


Identificação com o Botafogo


O estilo mais tranquilo de Herrera nos Emirados Árabes contrasta com momentos mais explosivos do argentino no Brasil. Como, por exemplo, em um dos jogos mais importantes da sua carreira, a final da Taça Rio de 2010 entre Botafogo e Flamengo (veja no vídeo ao lado os melhores momentos). Na vitória por 2 a 1, o camisa 17 marcou o primeiro gol, de pênalti, sofreu a penalidade convertida por Loco Abreu, o segundo do Glorioso, e ainda foi expulso por reclamar veementemente com o árbitro após a marcação de pênalti em favor do Rubro-Negro - Jefferson defenderia a cobrança de Adriano momentos depois. O jogador caiu nas graças da torcida, conquistou o Campeonato Carioca daquele ano e ainda permaneceu por mais de duas temporadas no clube.

A identificação com o Botafogo não poderia ser diferente. É o clube pelo qual Herrera mais jogou, além de ter sido onde marcou o maior número de gols de sua carreira - 51, segundo seu site oficial. Apesar do carinho especial pelo Alvinegro, o argentino exalta também suas passagens por Corinthians e Grêmio, onde sempre foi xodó dos torcedores.

- Nos três clubes, a torcida foi fantástica comigo. Sempre me acolheu bem, só tenho palavras de agradecimento a todos. No Botafogo foram dois anos e meio de continuidade, dando sequência a um trabalho, por isso foi muito bom. Espero que o Botafogo faça uma grande Copa (Libertadores). Depois de tanto tempo, agora que entrou, será muito bom. Fiz muitos amigos, mando abraço a todos. Agora que o Oswaldo saiu, ficou o Duda (Eduardo Hungaro), e desejo o melhor para ele. É uma grande pessoa, desejo que possam ir longe no trabalho.

No Botafogo, Herrera guarda boas recordações de Loco Abreu e Oswaldo de Oliveira (Foto: Ivo Gonzalez /Agência O Globo)
No clube de General Severiano, Herrera ainda pôde alimentar uma forte amizade com outro gringo, com quem formou o "ataque Mercosul" de 2010 a 2012. Loco Abreu foi companheiro em campo e fora das quatro linhas. Até hoje, mantém contato com o uruguaio, que agora defende o Rosario Central, clube em que Herrera jogou no início da carreira e se localiza em sua cidade natal.

- Tive uma relação fantástica com ele, ainda nos falamos com alguma frequência. Ele está jogando no meu time, então dou dicas de Rosário. Minha esposa se dava muito bem com a mulher dele, saíamos para jantar. Ele é muito carismático. É preciso conhecer para saber como ele é de verdade. Posso falar que é uma pessoa fantástica - elogiou.

O jogador não pensa em voltar
 antes do fim de seu contrato
(Foto: Arquivo Pessoal)
O argentino fica dividido quanto à possibilidade de voltar a jogar pelo seu clube do coração. E sonha, ainda, com um retorno ao Brasil, mas não antes do término de seu contrato com o Emirates Club. Garante ele que, por enquanto, houve apenas uma sondagem, do Vitória, em janeiro de 2013, mas nenhuma proposta concreta foi feita para seu retorno ao país.

- É algo que penso, claro, voltar a Rosário. Mas a vida dá voltas, e você precisa viver o presente. A gente mora com muita tranquilidade aqui, e no Brasil e Argentina tem muita insegurança. Então, a gente deixa a paixão de lado e vive o momento. Quero cumprir meu contrato. E depois vamos ver o que vou fazer da minha vida. Antes de parar, quero voltar a jogar no Brasil. Estou com 30 anos. Até os 34, 35 anos consigo jogar em bom nível. Ainda queria ganhar um Campeonato Brasileiro. Seria um sonho, é algo que ainda não consegui - afirmou.

Maior troféu: a camisa de Batistuta

Na sua memória, Herrera tem algumas conquistas marcantes, como a Série B pelo Corinthians, em 2008, e o Campeonato Carioca de 2010 com o Botafogo. Porém, seu maior troféu está guardado em um quadro, na sala de sua casa em Rosario: uma camisa da Argentina com a camisa 9 nas costas. "A nove" de Batistuta, um de seus grandes ídolos no futebol. A relíquia foi utilizada pelo craque argentino na Copa de 2002, no empate por 1 a 1 com a Suécia, partida que culminou com a eliminação dos hermanos naquele Mundial. E Herrera, que defendia as cores de seu país nas equipes de base, estava lá.

- Eu estava na sub-20, tinha 18 anos, era o mais novo do time. Nós treinávamos com os profissionais para preparar o time para o Mundial. Foram muitos jogadores durante a preparação, e que foram trocando. E eu fui um dos que continuaram durante quase todas as eliminatórias. Éramos como mais um jogador da seleção principal, convivíamos com os jogadores - lembrou Herrera, que ficou acanhado para pedir o presente e imaginou que não fosse mais ganhá-lo de seu maior ídolo no futebol até então. Isso porque ainda não tinha visto um certo camisa 10 jogar.

- Sempre gostei do Batistuta, era meu ídolo maior. Aí depois apareceu um tal de Messi e mudou um pouco essa história (risos). Comecei a treinar com ele (Batistuta), ficava com um pouco de vergonha de pedir alguma coisa. Antes do jogo contra a Suécia, eu pedi a camisa para ele. A Argentina ficou fora da Copa, todos estavam tristes, e pensei que a camisa não viria mais. Mas, no dia seguinte ele trouxe a camisa e me disse “vai, corre atrás dos teus sonhos”. Nunca vou esquecer - lembrou, com carinho.

Herrera, com a filha, na piscina de sua casa, nos Emirados Árabes (Foto: Arquivo Pessoal)

Por Thiago Quintella Rio de Janeiro

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