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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Seedorf conta ao LANCE!Net: 'O atraso de salário virou a maior motivação'


Camisa 10 do Botafogo abre o jogo sobre as dificuldades enfrentadas no título do Carioca



Veja as imagens da entrevista de Seedorf ao LANCE!Net (Foto: Alexandre Loureiro/LANCE!Press)
Seedorf concedeu entrevista exclusiva ao L!Net (Foto: Alexandre Loureiro/LANCE!Press)
O cenário no restaurante Pérgula era um prato e tanto. Mesas forradas com toalhas brilhantes de tão brancas, prataria impecável e até a presença de estrelas do cinema brasileiro, como Selton Mello. A conversa dos turistas espalhados pelas espreguiçadeiras da piscina contrastava com o barulho do trânsito na Avenida Atlântica. E o aroma da cozinha refinada dava a última pitada: estávamos no coração do Copacabana Palace.

Nosso entrevistado já estava sentado, conectado ao celular e mergulhado no laptop. Cuidava dos negócios da Europa. Vestia camisa leve azul marinho e calça cáqui. Composição despojada, sem perder a elegância. Seedorf viveu dez anos em Milão, tem gosto refinado. Porém, sabe o que é passar por dificuldades.

Nascido no Suriname, ele voltou a ver bem de perto a questão dos problemas financeiros, no Botafogo. Não que tenha passado fome, pois tem outras fontes de renda e uma boa reserva de garantia. Mas também ficou incomodado com o atraso de salários. Acompanhou o aperto de jogadores, comissão técnica e funcionários do clube.

Em outros lugares, o atraso é usado como justificativa para a falta de comprometimento dentro e fora de campo. O grupo poderia ter escolhido pelo descaso, mas esse não foi o rumo do Botafogo. A opção foi pela superação. A dívida virou a principal motivação para seguir lutando – e ferramenta de cobrança. Combustível para as vitórias. Para os títulos. O que poderia ter derrubado o Glorioso em 2013, foi transformado na peça fundamental para a conquista do Campeonato Carioca.

– O atraso de salários me afetou também, claro. Eu faço parte do grupo. Foi uma coisa de princípio. Todo mundo tem suas contas para pagar. Grande, pequeno, quem seja. Todo mundo tem suas contas. Isso foi a nossa grande motivação. Conseguimos transformar isso em motivação. Foi difícil, por isso foi emocionante. Vários jogadores têm uma reserva, mas há aqueles que não têm. E precisam se virar. Foi uma situação que sentimos muito, porque somos uma família lá dentro – comentou Seedorf, em entrevista ao LANCE!Net.

Com a transparência de sempre, o holandês falou sobre os problemas enfrentados até o título, a importância da mentalidade vencedora, arbitragem, Engenhão, entre outros temas delicados. Mas também houve tempo para sorrisos, ao contar da relação com Oswaldo de Oliveira, o elenco e futuros projetos. Confira:

Como o grupo reagiu ao atraso dos salários?
Nos juntamos e falamos: “Podemos fazer duas coisas”. A primeira seria ficar com raiva e não cumprir com o nosso dever dentro de campo. Mas isso vai nos prejudicar no final. Então escolhemos fazer de tudo para ganhar o Carioca, nos ajudarmos, termos mais força para cobrar e fazer com que o Botafogo tenha como pagar. O grupo tomou uma atitude de se fechar e topar assumir as coisas que estão dentro das nossas mãos. Ninguém começou a jogar desde criança para orgia. Todo mundo quer o quê? Ganhar Copa do Mundo, Ligas dos Campeões? Não é o sonho que temos? Então essa é a motivação. O outro lado é obrigação do clube. Esse grupo vai ser lembrado para sempre pelo Carioca deste ano. É o que acontece quando se tem um título. Pequeno, médio ou grande.

Você teve alguma participação na suspensão das concentrações?
Não tive participação quase. Não falei nada. O grupo tomou a decisão e eu dei suporte. Não acredito muito nessa coisa de concentração. O importante não é concentrar, mas a atitude do grupo. Ficar em hotel não vai ganhar jogo ou trazer dinheiro. Atitude teve o grupo, que se fechou e assumiu a responsabilidade. Quanto mais responsabilidade esse grupo teve, cresceu cada vez mais.

O Botafogo levou o Carioca. Quais são as próximas missões?
A missão é manter essa mentalidade vencedora, a vontade para sempre. Dentro do clube, digo. Tem que fazer certas coisas para ser vencedor. Não é só o título, é a maneira de trabalhar, o que fazemos todos os dias. Isso vira algo enorme. Acho que nós conseguimos, com relação ao grupo, atletas, funcionários e técnico, ter um padrão que virou normalidade. Agora é manter.

Mas como? Quais são as maneiras para manter a mentalidade?
Cada um tem que procurar a sua. Penso que o que me motiva é algo mais espiritual. O que posso fazer através do futebol, da comunicação, de ações dentro e fora de campo. Para mim, é uma grande felicidade saber que tenho um impacto positivo aqui no Brasil. Isso é o que integra minha maior motivação, a parte espiritual. Me motiva para levantar da cama todos os dias.


O que acha que mudou no Botafogo desde que você chegou?
Não sei. Gostaria que outros falassem melhor, sobre antes. Num grupo cada um tem o seu valor. Hoje acho que cataliso muito. Mas há outros combustíveis, outras partes. Ninguém faz nada sem ser em grupo. O grupo faz a diferença, em tudo.

O Oswaldo seria outra pessoa que faz a diferença?
Com certeza. Mais que um técnico, é uma pessoa que vejo como um cidadão muito humano, leal, digno. Não precisamos falar muito dele aqui no Brasil, já conquistou muitos títulos importantes por vários clubes. Nesse aspecto de como ele conduz o time, o grupo, é sensacional. A capacidade, competência específica de lidar com o elenco. Partes técnica e tática, todo mundo estudou o mesmo, não há muita surpresa. Para mim o diferencial dele está aí, e os jogadores sabem. Já tive vários técnicos maravilhosos, mas o Oswaldo é diferente.

Falando do elenco... Como você tem contribuído para o crescimento dos atletas mais jovens?
Contribuo, mas não é só com os garotos, não. Tem o Jefferson, Antônio Carlos, tem os mais veteranos também. Eles contribuem comigo e eu contribuo com eles, aprendemos juntos. Claro que com certos jogadores tenho uma relação mais intensa, com o Fellype, o Biel (Gabriel), o primeiro que conheci, e com o Dória.

O que você poderia detalhar da relação com o Gabriel?
Foi o primeiro com quem comecei a conversar, a ajudar. Fomos trocando experiências. Ele e o Dória querem aprender tudo (risos). Eles brincam o tempo todo. Claro que a minha cobrança foi crescendo, porque eles têm que se preparar para o mundo. Eles conseguem sempre canalizar as informações no final e pegar o bom para eles. Eles querem sempre mais, aprender mais, têm personalidade.

Ainda sobre jovens: você planeja fazer mais palestras pelo país?
Palestras sempre faço, é uma boa experiência. Mas vamos passar mais em escolas públicas, estou programando isso também. Com certeza, é bacana. Faz parte da minha missão. Passar uma mensagem positiva para as pessoas, principalmente para as crianças, os mais jovens, nesse país aqui. Isso me dá felicidade.

E os negócios no Brasil? Já conseguiu implantar algo?
Vamos ter em breve algo bacana, uma novidade. Deixa assim.

Um assunto complicado: Engenhão. Faz muita falta?
O campo estava muito bom agora, perdemos muito nesse aspecto. Agora é só pensar na solução. Tem que tomar algum caminho.

Outro agora: não achou o julgamento no TJD (pela expulsão contra o Madureira) quase que um circo?
Foi meio circo, sim. Era complicado, já sabíamos que aconteceria. Faltou capacidade para fazer melhor gestão da situação. Complicado porque não mostraram imagens minhas antes do caso com o árbitro.

Você foi visto dando treinos no Boavista e no Nova Iguaçu. Tem o sonho de virar técnico?
Penso, sim, em ser técnico, até porque negócios já tenho, outras empresas, atividades... Ser treinador é algo positivo. Minha finalidade é sempre crescer, me preparar para o futuro. Tenho que me preparar para o dia em que a minha carreira de jogador acabar, ou decidir trocar de trabalho.

Vai seguir no Botafogo depois do fim do contrato (2014)?
Eu cumpro com o meu trabalho. Contratos dão as condições para as duas partes. Quando acontece uma situação antecipada, não tem problema. Se não, tem uma linha bem clara de quando a relação acaba. Sinceramente não sou movido por contratos, mas por projetos. Sempre fui assim na vida. Tenho contrato até 2014, hoje, não tenho outras coisas para colocar na mesa. Se amanhã chegar algo, vamos conversar.


Rodrigo Lois Rio de Janeiro (RJ)LANCENET! 

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