Páginas

domingo, 26 de junho de 2016

Ação na Justiça questiona se obra da cobertura do Engenhão era necessária



Reforço estrutural coloca em jogo pelo menos R$ 100 milhões



A cobertura do Engenhão após o reforço: para o presidente da Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio, com a obra, o estádio perdeu a leveza: “Antes, os arcos pareciam flutuar”, afirma Nilo Ovídio Lima Passos - Agência O Globo / Custódio Coimbra


RIO — A 40 dias do início dos Jogos, o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, que vai receber competições de atletismo e futebol, é objeto de uma disputa acirrada. Estão em jogo pelo menos R$ 100 milhões e se questiona se era mesmo necessário ter feito obras de reforço estrutural, interditando o espaço por quase dois anos. Afinal, a sua cobertura hi-tech, à época com quatro mil toneladas de aço e quatro arcos, corria mesmo o risco de tombar? O campo da competição é neutro: o Judiciário. E a batalha entre empreiteiras é jurídica e técnica.

De um lado, o consórcio RDR (Racional, Delta e Recoma), que projetou e iniciou a construção, deixando o serviço inacabado, em dezembro de 2006, sob a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato assinado com a prefeitura. Do outro, o consórcio Engenhão (Odebrecht-OAS), que concluiu o estádio em tempo recorde — ele precisava estar pronto para o Pan-Americano, em julho de 2007, e faltavam três dos quatro arcos — e, depois, tirou do próprio bolso os recursos para reforçar a superestrutura com mais mil toneladas de aço. Odebrecht e OAS querem reaver esse dinheiro e o cobram dos seus antecessores, argumentando que o erro teria sido de projeto.

No contra-ataque à ação indenizatória, o RDR, em março último, no mais recente round da luta, foi à Justiça com o objetivo de anular o acordo fechado entre o município e o consórcio Engenhão. Anexou laudos de conceituadas empresas de engenharia, que atestam a solidez da cobertura antes do reforço, além de pareceres da ex-ministra do STF Ellen Gracie e do professor de direito administrativo Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

O estádio foi interditado em 26 de março de 2013 e, em junho daquele ano, prefeitura, Odebrecht e OAS firmaram um “termo de entendimento”. O documento estabelece o compromisso de o consórcio Engenhão realizar o reparo na cobertura. Além disso, o município o isenta de responsabilidade e lhe dá o direito de cobrar o que gastou.

— A prefeitura deu isenção a um consórcio sem ouvir os outros envolvidos na construção do estádio. E ainda cedeu um crédito. Isso não poderia ser feito sem autorização legislativa — alega a advogada Ana Basílio, de um dos três escritórios que defendem o RDR.

ESPECIALISTAS DIVERGEM

Por e-mail, a prefeitura se defende. Diz que, “quando foi constatado o risco de colapso, a obra ainda estava no período de garantia de construção e, por isso, o consórcio Engenhão assumiu integralmente os custos do reparo sem ônus aos cofres públicos”. Acrescenta que cabia ao município “cobrar a reforma do estádio” e ao consórcio Engenhão, “fazer o reparo e, se identificasse que as falhas foram geradas por erros de outras empresas, buscar seu ressarcimento na Justiça”.

Do lado da engenharia, a ação do vento está no topo das discussões. Depois de quase seis anos de uso do estádio, em 2013 o consórcio Engenhão apresentou um estudo técnico encomendado por ele à empresa alemã Schlaich Bergermann und Partner (SBP), que contratou o laboratório de túnel de vento Wacker, também alemão. A conclusão da SBP foi que a estrutura estaria em risco caso fosse submetida a ventos de velocidade igual ou superior a 63km/h. A análise teria sido motivada pelo deslocamento dos arcos de sustentação da cobertura do estádio em grau maior do que o previsto no projeto.

Mas, se o consórcio Engenhão tem os alemães na retaguarda, o RDR apresenta um ensaio feito por outro laboratório de túnel de vento, Rowan Williams Davies & Irwin (RWDI), do Canadá, contratado quando foi elaborado o projeto executivo do estádio. Os canadenses calcularam que o risco seria a partir de ventos de 138km/h. Consideraram a velocidade máxima num período de 50 anos, mais 10% como margem de segurança.

— A margem de segurança usada no projeto foi ainda maior. A estrutura tinha condições de aguentar um vento de pelo menos o dobro desses 138km/h — assegura o engenheiro especializado em estruturas Gilberto Adib Couri, que assessora tecnicamente o RDR. — Os alemães usaram premissas exageradas. Não levaram em conta o direcionamento do vento nem a topografia do lugar. Como pode haver vento multidirecional? Ali há ainda uma cadeia de montanhas que foi ignorada. Eles também superdimensionaram a carga mínima, ou seja, a carga para os trechos da cobertura onde o vento não bate.

Antes do reforço estrutural, no entanto, a cidade teve ventos ainda mais fortes. Em 6 de dezembro de 2009, segundo o InMet, chegaram a 144km/h. Em 13 de maio de 2014, o Aeroporto do Galeão registrou 171km/h.

— Não sei explicar por que a cobertura não caiu. Mas, nos cálculos da cobertura, se esqueceram de levar em conta mil toneladas de vento. Houve erro de projeto — garante o engenheiro Nelson Szilard Galgoul, responsável pelo reforço, que estima a reforma em R$ 150 milhões. — Tivemos que estaiar as colunas para o vento ir para os cabos.

Ação do vento à parte, existem marcas visíveis na estrutura do Engenhão de que algo de errado aconteceu. Há peças de aço desalinhadas, e todos os quatro arcos cederam mais do que o estimado no projeto. Após a retirada das escoras, o arco leste chegou a ceder horizontalmente 94 centímetros, 24 a mais do que o previsto. Também foram identificadas peças retorcidas.

— Houve problemas de montagem. Havia peças que não se encaixavam, que tiveram que ser puxadas por cabos de aço e entortaram. Outras foram colocadas desalinhadas. E os arcos cederam quando foi feita a retirada das escoras. No entanto, nunca aconteceu um deslocamento após 2007. Fiz um relatório nesse ano, relatando os problemas que constatamos. Na época, mandei para a Tal Project, em Portugal (que fez o estádio do Benfica), empresa verificadora da obra. Tudo o que foi feito foi conferido e reconferido — garante o engenheiro Flávio D’Alambert, calculista do Engenhão, que continuou trabalhando na obra até a entrega do estádio.

Em sua defesa, o RDR apresenta um laudo da estrutura, feito pela Dirceu Franco de Almeida Engenharia Consultiva (DFA), empresa que tem no currículo a avaliação das causas do incêndio nos edifícios Joelma e Andraus, em São Paulo, e da queda de um trecho do Elevado Paulo de Frontin, no Rio. A DFA não constatou anomalias decorrentes de esforços, de instabilidade ou de comportamento anômalo da estrutura do Engenhão.

— Não vimos sinais de movimentação da estrutura após a retirada do escoramento em 2007. Toda a estrutura foi pintada para ajudar na reflexão da luminosidade. As rótulas (grandes dobradiças), inclusive, foram pintadas, e a tinta passava por cima delas — diz o engenheiro Ricardo Almeida, da DFA.

FALTA DE CONCLUSÃO

Para dar o parecer sobre o projeto, o RDR contratou a consultoria Controllato. O laudo, assinado por Ronaldo Carvalho Batista — especialista em estruturas e um dos calculistas da Ponte Rio-Niterói —, considera o projeto do Engenhão perfeito, e a estrutura do estádio estável.

Por nota, o consórcio Engenhão diz que, como o tema está sub judice, qualquer manifestação técnica se dará “exclusivamente no âmbito da respectiva demanda judicial”. No texto, reafirma que “sempre pautou suas ações tendo como premissa a segurança das pessoas, com o amparo de laudo elaborado pela empresa alemã SBP, maior especialista mundial no assunto, cujo trabalho técnico foi integralmente corroborado por comissão oficial formada pela prefeitura”.

Já a prefeitura afirma que essa comissão “não foi criada para analisar o laudo preparado pela empresa alemã, mas sim para acompanhar o trabalho de recuperação da cobertura”. O grupo tinha representantes do próprio consórcio, da RioUrbe, do Botafogo (arrendatário do estádio) e da Secretaria municipal de Obras.

Tamanho imbróglio levou o presidente da Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado (Seaerj), Nilo Ovídio Lima Passos, a promover duas reuniões técnicas com os consórcios. Mas não conseguiu chegar a conclusões:

— Os dois consórcios nos convenceram. O primeiro mostrou que a estimativa de vento estava correta e que as deformações foram decorrentes da montagem, o que seria normal numa estrutura daquele porte. O segundo consórcio passou rapidamente pela questão do vento e disse que a empresa alemã considerou ventos europeus. Mas bateu na tecla de que os gigantes (oito pilares de concreto, com 45 metros de altura, construídos pelo RDR para sustentar a cobertura) teriam problemas de execução.

Nilo Ovídio não sabe dizer se a cobertura poderia ou não cair. Quanto ao resultado visual do reforço, ele não hesita:

— Amarraram os arcos, colocaram vigas em volta e mudaram o visual do Engenhão. Antes, os arcos pareciam flutuar. O estádio perdeu a leveza que tinha.


Fonte: O Globo/POR SELMA SCHMIDT

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é sempre bem vindo. Participe com suas opiniões!