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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Lições de um filho


Reprodução
Por Paulo Marcelo Sampaio

Futebol é, antes de tudo, lavagem cerebral. Atire a primeira pedra quem nunca tentou convencer o filho a abraçar sua paixão clubística. No meu caso, não foi tarefa difícil. Receita simples: basta acostumar a criança a tomar gosto pelo calor dos estádios. Já aos três anos. João Marcelo estreava ainda menino de colo. Ficou boquiaberto com a imensidão do velho Maracanã. Em êxtase, batia as mãozinhas a cada raro ataque. Lá pelas tantas, bateu aquele sono no menino. Incontrolável. Lutava contra as pálpebras pesadas – àquela altura já perdíamos – na esperança de um gol redentor. Em vão. Nada mais sintomático. Não tinha como esconder a derrota. Não adiantava omitir. Não adiantava dizer que a partida tinha sido cancelada, só para evitar o dissabor de ver os olhos tristes de uma criança. Ele vira tudo, ao vivo e a cores. No caminho pra casa, vagão em silêncio, explicava a ele a máxima do Coubertin, aquele do importante é competir. Eu temia a debandada.

João Marcelo cresceu. E não debandou. Continua nas fileiras, nas trincheiras. Conta onze anos, apenas três a menos que os meninos idealistas que, em 1904, numa aula de álgebra, resolveram criar um clube em Botafogo. Dez anos depois, por brigas internas, o clube quase acaba. Paulo Azeredo, com a experiência de seus 27 anos, foi chamado para apagar o incêndio. Era pra ficar um mês. Acabou ficando um ano. E, à base do improviso e da paixão, crescemos. Tivemos times quase imbatíveis. Servimos de base para várias seleções. Vimos todo tipo de jogador: o que brigava com os próprios colegas; o que se orientava pela sombra para dar o bote nos adversários; o que driblava para o mesmo lado; o que não vibrava depois dos gols; o que rompia defesas como um furacão; o que nas horas vagas escrevia poemas; o que, impetuoso, cruzava bolas por trás do gol; o que dizia que só seria campeão se saísse do clube; o que, fanfarrão, prometia gols e alegria, o que, livre de tudo e de todos, furava um chute e entregava um gol de bandeja. Enfim… lances de gênios e momentos patéticos. Tantos, tão nossos.

João sou eu pequeno. Zapeia canais de tevê, navega por sites à procura de noticias. Boas e ruins. No sábado me ligou. “Pai, fomos campeões cariocas sub-15, contra o fluminense, nas Laranjeiras”. Há poucas semanas, mais uma de encher seus olhos. “Dois caras saíram no tapa, em pleno treino.” “Faturamos o bi estadual de remo”. Se antes ficava preocupado com a cabecinha do meu filho, hoje ele é que cuida de mim. Me faz sorrir. E me consola outras vezes. Rebaixamento decretado, me veio com essa. “Eu não amo a série A. Eu amo o Botafogo”, disse, saindo da sala de cinema. Mais importante do que competir, é lutar. E nesse campeonato, nossos jogadores lutaram. Pena que tenha sido tão tarde.

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